Na língua malgaxe, mora-mora signifca “devagar, devagar”. A expressão preferida dos 22 milhões de habitantes de Madagascar, a quarta maior ilha do mundo, é usada para pedir calma. Ouvi o primeiro mora-mora ainda na porta do avião, quando me preparava para descer as escadas da aeronave em Antananarivo, a capital do país.
Compreender o signifcado daquela fase, dita pelo comissário de bordo, não levou mais do que algumas horas. Em Madagascar, mora-mora é um estilo devida. Ninguém se apressa nem se irrita quando algo não sai como o planejado.
A morosidade malgaxe, aliada à desconexão compulsória das redes sociais, faz da ilha um lugar sem igual para descansar. Em pouco tempo, o dia a dia sem pressa, sem celular e com acesso restrito à internet seduz o viajante de tal forma que não é difícil encontrar quem decida ficar. Para sempre.
O estilo de vida no stress é apenas um dos atrativos dessa ilha que emergiu há 9 milhões de anos no oceano Índico. Apesar da malemolência nacional, é impossível se sentir entediado.
Madagascar conta com uma das mais ricas biodiversidades do planeta e, portanto, são muitas as atividades à disposição. A mais relaxante delas é à beira-mar. As praias, como as da região com o sugestivo nome de Mar Esmeralda, têm areia branquinha e água tão azul quanto aquelas do Caribe, só que muito mais isoladas.
Dá para escolher o coqueiro debaixo do qual estender a canga sem ter de dividir sombra. O passeio por essas regiões costuma durar o dia inteiro e incluir mergulho com cilindro ou snorkel, a possibilidade de fazer trekking ou kitesurfe e um surpreendente piquenique com peixe fesco, pescado e grelhado na hora pelo barqueiro que guia os visitantes ao local.
Lêmure Madagascar
Quarenta e sete parques e reservas florestais se espalham pelo território. E, por mais que você esteja acostumado ase embrenhar no mato e fazer trilhas, vai ficar maravilhado. Acontece que as árvores, as plantas e os bichos malgaxes são diferentes.
Não é exagero: 90% das espécies de plantas e 80% das espécies de animais são endêmicas. Só lá é possível encontrar 150 espécies diferentes de palmeiras, o menor grilo do mundo(menos de 1 centímetro) e os fofos lêmures. O primata, parente dos macacos, pesa entre 30 gramas e 7 quilos e é o habitante mais famoso e estudado da ilha.
Até hoje os cientistas catalogaram 86 espécies diferentes. Não é difícil encontrar lêmures em meio ao verde, mas, embora não se amedrontem com a presença de seres humanos, são pouquíssimos os lugares onde é permitido alimentá-los e tocá-los. Em várias ocasiões me vi parada embaixo de uma árvore observando os bichos pulando de um galho a outro.
Têm seu encanto, mas a experiência de vê-los saltitando ao redor e se acomodando bem em cima da sua cabeça é insubstituível. O local mais conhecido para essa interação é a reserva particular chamada de Ilha dos Lêmures, que fica em Andasibe, a três horas de carro da capital.
Até hoje não se sabe ao certo como essas plantas e bichos únicos chegaram até o país, mas a hipótese difundida pelo desenho da Dreamworks – de que os animais chegaram a Madagascar em barcos – tem seu fundo de verdade.
“É provável que, há milhões de anos, grandes blocos de vegetação tenham se destacado durante tempestades e servido de jangada para os animais cruzarem o oceano”, diz a bióloga e paleontologista Karen Samonds, professora da Universidade de Illinois, nos Estados Unidos, e estudiosa da fauna e da fora da ilha.
Perrengue que compensa
Madagascar fica na costa oriental docontinente africano, a 450 quilômetros de Moçambique. Como ocorre com quase todas as capitais aficanas, Antananarivo é uma cidade vívida e tumultuada, com ruas cheias de gente, mercados a céu aberto e trânsito de deixar o mais paulistano dos viajantes atordoado.
É divertido se misturar à bagunça de pessoas, especialmente nas feiras onde se vende de tudo: desodorante em pedra, ervas medicinais, futas, verduras, roupas, sanduíches. Apesar da aparência apetitosa que costuma ter esse último item, não é recomendado experimentá-lo.
Se quiser se aventurar nas comidas de rua, prefira os bolinhos conhecidos como mofo (signifca “pão” no idioma local), que são feitos na hora e levam farinha de arroz doce, leite de coco e, às vezes, futas.
Não desperdice mais do que dois dias em Tana, como a cidade é conhecida. Os destinos que fazem os viajantes suspirarem ficam localizados na região de Masoala, na costa leste, e em Nosy Be, no extremo norte do país.
É bom que se saiba: locomover-se na ilha é desafador e exige paciência – mora-mora, aventureiro! Ir de uma cidade a outra pode levar o dia todo e demandar até três viagens: uma de carro, outra de avião, uma terceira de barco.
Além da grandiosidade de Madagascar, que tem o tamanho de Minas Gerais, a infaestrutura é precária. Precisei do trio de meios de transporte logo na primeira semana de viagem, quando ia de Andasibe, na região central, rumo a Masoala, na costa leste.
O avião de 20 lugares que nos levava teve de pousar em outra cidade por causa de uma forte chuva. Amarguei uma hora e meia de espera no aeroporto de Sambava, cidade sem atrativos turísticos, até que pudesse seguir para Maroantsetra.
Lá, viajamos por duas horas em um barco que sacolejava intermitentemente e, em alguns momentos, era arremessado pelas ondas e literalmente voava sobre o mar. De início a experiência até era divertida, mas, meia hora depois, molhada e agarrada à borda da embarcação, quando a ideia de um naufrágio não parecia nem um pouco improvável, comecei a refletir sobre o que estava fazendo ali.
Masoala – Madagascar
A dúvida desapareceu assim que aportei. Masoala tem um charme especial por ser extremamente remota. Mistura praias desertas com florestas cheias de lêmures, mangues, rios e montanhas. Nas caminhadas à beira-mar, só se encontram moradores de aldeias que vivem de pesca, agricultura e comércio de baunilha, que, aliás,é considerada a melhor do mundo.
Entre julho e setembro, é fácil se aproximar das baleias jubarte com um caiaque ou uma piroga, a canoa feita de madeira. Esses mamíferos enormes aproveitam as águas quentinhas dali para se reproduzir. Diante dessa visão, quem se lembra do transtorno que é chegar até lá?
Diferentemente de outros países da África, Madagascar conta com excelentes opções de hospedagem fora dos padronizados hotéis de rede, mesmo nas áreas mais longínquas. No Masoala Lodge, onde passei cinco noites, os turistas ficam em barracas de camping à beira-mar, acomodadas dentro de estruturas de madeira semelhantes a palafitas.
Os únicos objetos dentro das barracas são uma cama de casal, dois criados-mudos e duas lanternas. Pode parecer pouco, mas a cama é macia e a estrutura de madeira funciona como proteção contra as fortes chuvas que caem diariamente na região.
Quando o gerador de luz é desligado, às 22 horas, só se ouvem o coaxar dos sapos, o canto dos grilos e as ondas quebrando no mar. Impossível não dormir bem.
A localização geográfica e o passado de ocupação malaia e colonização francesa tornaram a culinária local cheia de boas misturas. É possível começar a refeição com uma entrada super asiática, como a salada de papaia verde; partir para uma iguaria africana como a romanzava, uma carne vermelha cozida em caldo que leva vegetais, pimenta e flores de anamalao, que produz efeito anestésico na boca semelhante ao do jambu da culinária paraense; e finalizar degustando uma sobremesa em uma das inúmeras pâtisseries que se espalham por Madagascar e em nada ficam devendo às parisienses.
Os pratos típicos são sempre acompanhados de muito arroz. Cada habitante consome, diariamente, o equivalente a meio quilo, inclusive no café da manhã. Costume herdado dos malaios, que aportaram na ilha em meados do século 8 e deixaram campos de arroz cultivados até hoje por famílias de agricultores que misturam fisionomias negra e oriental.
De olho na folhinha
O planejamento é parte importante de qualquer viagem, mas, em Madagascar, pensar o itinerário com calma é imprescindível, porque as melhores atrações ficam distantes umas das outras. A famosa Avenida dos Baobás fica na costa oeste; a reserva Masoala, no nordeste; a capital, quase no meio da ilha;e as praias espetaculares, no extremo norte.
A companhia aérea nacional, a Air Madagascar, segue à risca a filosofia mora-mora. Os atrasos são muito comuns, e a empresa muda o horário dos voos inúmeras vezes, sem avisar os clientes. Por essa razão, ganhou o apelido de Air Mad, ou “companhia aérea maluca”.
Os trajetos por terra tampouco são rápidos. As rodovias não têm acostamento, e, nas mais esburacadas, leva-se uma hora para percorrer 30 quilômetros. Pelo menos não falta a distração de topar com cenas típicas, uma atrás da outra. Nas aldeias à beira da estrada, as famílias vendem todo tipo de frutas e especiarias; nos riachos próximos, as mulheres lavam roupas e utensílios domésticos. E, em qualquer que seja a rota, os campos verdejantes de arroz emolduram o trajeto.
Baobás em Madagascar
O ideal é reservar ao menos 20 dias para conhecer o país. Ainda assim, certamente alguma área ficará inexplorada. Se você não tem todo esse tempo, a sugestão é voar direto para o norte da ilha, a região que combina as melhores atrações.
É lá que estão as praias mais lindas e onde o clima tropical dura o ano inteiro. Há reservas florestais para observar os lêmures, ilhotas com barreiras de corais excelentes para o mergulho e vilas de pescadores com baobás centenários.
Independentemente do número de dias do roteiro, é certo que, na hora de refazer as malas e deixar a filosofia mora-mora para trás, vai bater a vontade de ficar por lá.
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