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Ushuaia, Mendoza, Patagônia: está na hora de conhecer os destinos que os próprios argentinos frequentam quando não querem multidões por perto

Por Mari Campos
Atualizado em 16 dez 2016, 09h11 - Publicado em 15 set 2011, 15h08

O chofer do remis que me pegou no aero­porto de Mendoza foi logo perguntando: “¿Primera vez en Argentina?” Fiquei meio sem graça de responder a essa pergunta depois de tantas idas e vindas a Buenos Aires e a Bariloche e dei uma disfarçada. “Não, já estive aqui antes. Mas é a primeira vez em Mendoza.” E isso era verdade. Assim como tantos outros brasileiros que já conhecem Recoleta, Palermo e adjacências de cor e salteado, eu também achei que era o momento de me aventurar mais longe por outros recantos do país.

Não que os restaurantes de Palermo e Recoleta não me atraiam mais, mas, convenhamos, se tornaram todos velhos conhecidos. Em Buenos Aires, era hora de conhecer os novos – e igualmente bons – estabelecimentos de Colegiales ou as lojinhas e os hotéis-butique de Villa Crespo. E mesmo na velha Recoleta havia novidades. Caso do elegante Casa Sur, hotel-butique que vem conquistando fãs pela mescla de arte e hospedagem no coração de Buenos Aires. Seu lobby recebe exposições coletivas, sobretudo de artistas locais, em um clima meio Miami Beach em dias de Art Basel. “Acho que já conheço todos os shows de tango da cidade”, me contou a publicitária paulista Carla Eugène enquanto esperávamos o show no teatro Tango Porteño, na Calle Cerrito, começar. “É a quinta vez que venho a Buenos Aires. Agora chega; quero ir além.”

Se reportagens tivessem dedicatórias como os romances e as biografias, esta seria para Carla. Você não lerá outra vez aqui as palavras Obelisco, Microcentro, Santelmo, Boca Juniors, Puerto Madero. Aproveite que os voos da TAM (e da Gol) agora já desembarcam no Aeroparque, dentro de Buenos Aires, bem mais à mão que em Ezeiza, para com todo o respeito fugir da capital argentina assim que der. Há preciosas cidadezinhas a rodear a metrópole, como a bela Escobar, conhecida como “meca das flores”. Ou Mercedes, distante cerca de 100 quilômetros, destino querido dos argentinos que gostam de agroturismo e boa comida caseira, servida nos restaurantes do pueblito gastronômico de Tomás Jofre. Com verão e inverno bem amenos para a região, Mercedes tem atrações como os 54 hectares do Parque Independência e as tardes calmas de pesca no Rio Luján. San Antonio de Areco é ainda mais pitoresca e investe na valorização da cultura pioneira do gaucho (pronuncia-se “gaucho” mesmo, sem acento) com seu Museu Gauchesco Ricardo Güiraldes. Mas suas construções do século 19 e suas ruas de calçadas muito estreitas tomadas por muitas lojinhas de artigos de couro também cativam. Perto está Sierra de la Ventana, que fica encravada na cadeia montanhosa de mesmo nome. O lugar se gaba de ter sol e céu azul na maior parte do ano, clima excelente para atividades como trekking, escalada e mountain bike. A excursão ao Hueco de la Ventana passando por cachoeiras e cavernas com pinturas rupestres é a mais famosa do lugar. No fim do dia, um bom mergulho no cristalino Riacho Sauce Grande recompensa e celebra o esforço. Rodeada por montanhas, Tandil tem temperaturas amenas no inverno e no verão (mínimas de 8ºC e máximas de 20ºC) e atrai visitantes ávidos pela prática de paragliding em seus vales ou canoagem nos muitos riachos que a cortam. Tandil investiu muito nos últimos anos em bom serviço e hospedagens mais trendy, como a Ave Maria, da argentina Asunción Pereyra Iraola. Ela transformou uma casa da década de 1960 em um exclusivo hotel de luxo de apenas oito charmosas suítes entre imensos jardins de magnólias e coníferas. Passeios de bike e cavalgadas entram na programação. Dali também se pode fazer uma caminhada ao mirante do Morro Cuchillo de las Águilas ou jogar golfe. Surpreendentemente existe até vida noturna dada a proximidade com a Universidade del Centro de la Província de Buenos Aires. Como essas cidadezinhas ficam todas a duas horas de carro, se tanto, de Buenos Aires, rendem um dia relaxante ou um fim de semana depois de dias de comilança e compras na capital.

E vencer os limites de Buenos Aires tornou-se um imperativo. A cidade recebeu em 2010 1 milhão de brasileiros, muitos deles em sua segunda, terceira, quinta, décima visita. Conhecemos tanto as calles e tiendas da capital que está mais do que na hora de buscar essa nova Argentina, uma Argentina premium, cheia de mimos e experiências, paisagens, cores e sabores. Mendoza me parece um bom começo para essa redescoberta do país vizinho. Belas paisagens andinas, bons restaurantes, ótimos vinhos… É fácil, muito fácil se deixar estar por uma semana com fartura e prazer na cidade. A região é responsável por 78% da produção vinícola argentina. E a Argentina, vale menção, hoje já tem a quinta maior área de vinhedos do mundo. O país é conhecido por sua famosa uva Malbec, mas também tem um branco especialíssimo, o torrontés, produzido com a única uva autóctone argentina – bem, há controvérsias, pois alguns especialistas sustentam que a torrontés veio da Galícia. De qualquer forma, a despeito de quem torce o nariz para os brancos, os vinhos torrontés vêm se tornando um símbolo nacional quase tão forte quanto os Malbec. O hype em torno do vinho em Mendoza é tão grande que hospedagens mais tradicionais do centro estão perdendo espaço para as bodegas, que agora também dublam como hotéis-butique. É o caso do Casa Terrazas, da vinícola Terrazas de los Andes, com apenas dez quartos. Depois das visitas diárias com degustação (às vezes duas por dia) e dos excelentes e longos almoços e jantares que tive, ainda arrumei tempo para cavalgar, passear pela cidade e comprar grandes vinhos para trazer para casa.

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Neve, que neve?

Bariloche, o segundo grande destino dos brasileiros na Argentina, também começa a assistir a um fenômeno interessante. É que agora estamos retornando à melhor estação de esqui do Prêmio VT 2010/2011 também fora de temporada. No verão, sem neve e sem esqui, os passeios se multiplicam. Dá-lhe canoagem, trekking e cavalgadas.

A Calle Mitre, no centrinho de Bariloche, já ficou para trás. O conforto e a joie de vivre hoje estão na Avenida Ezequiel Bustillo, com suas canchas de golfe e polo dos hotéis Llao Llao e Pestana (que fica no belo entorno do Lago Gutiérrez). Aliás, a cena hoteleira local mudou muito nos últimos anos. O gigante e centenário Llao Llao, símbolo da região, apesar de manter a casa principal que é sua identidade, construiu em 2009 uma ala de design moderno e com valorização elegante de elementos patagônicos. Seu campo de golfe de 18 buracos é uma das grandes atrações. “Sou capaz de passar horas e horas seguidas nesta cancha’’, disse-me a argentina Andrea Izidore, habitué das disputas de golfe por lá, para tentar me convencer a jogar um pouquinho. Outras marcas também aportaram na região, como o hotel-butique El Casco. Os melhores restaurantes dessa zona encontram-se, aliás, no interior dos hotéis, com propostas gourmet e cozinha fusion. Por ali os hóspedes passam o dia entre passeios de barco pelo Lago Moreno e intermináveis almoços e jantares de alta gastronomia regados a vinho, como no exclusivo Butterfly, que possui apenas cinco mesas, todas com vista para o lago Moreno. Até quem já conhece o Cerro Catedral de cabo a rabo, mas ama a vista que se tem dali, encontra um cantinho de conforto e sossego por lá no novo Galileo Boutique Hotel, que utiliza tecidos e pinturas indígenas na decoração. Nos quartos há lareira e jacuzzi, além de imensas janelas panorâmicas, de onde se vê um mundo lá embaixo. Mas do adorável observatório do hotel, com cúpula giratória e telescópio de alta resolução, se podem admirar outros mundos acima. Nas noites claras, um astrônomo acompanha os hóspedes. Não é à toa que o lugar se chama Galileo.

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Dessa área que rodeia a Villa Llao Llao é que parte a maioria dos passeios, em geral do pequeno Puerto Pañuelos. De Catamarã pode-se seguir à Isla Victoria em passeio de um dia. No itinerário navegamos pelo Lago Nahuel Huapi sempre na companhia de gaivotas que vêm comer na nossa mão. Mesmo com um certo medinho, eu também fiz uma gaivota feliz. Antes da chegada à ilha há um passeio por um bosque de arrayanes, belas árvores avermelhadas de até 15 metros de altura, algumas com mais de 400 anos de existência. É uma espécie típica da Patagônia e, por estar em extinção, é protegida no parque nacional que leva seu nome. Vá com um bom calçado, de preferência tênis, já que o terreno que leva até as prainhas às vezes se torna bem escorregadio. Logo se fica sabendo que tal bosque teria sido a fonte de inspiração de Walt Disney para fazer Bambi, lenda que é simpático tomar como verdade apesar de não existir registro da passagem de Walt pelo local. Mas o ápice da jornada é a tal Isla Victoria: mais de 3 700 hectares de vegetação densa, dos quais um terço pode ser percorrido pelos turistas. Há árvores enormes, como sequoias, e cavernas com pinturas rupestres. Com sorte é possível avistar por ali faisões, javalis, veados e pássaros nativos. E os catamarãs ainda possuem um setor VIP no andar superior com direito a bebidas (inclusive alcoólicas e quentes) e empanadas e outros petiscos durante toda a navegação.

A 25 quilômetros de Bariloche fica a charmosa Colônia Suíça, o primeiro assentamento suíço da região. Ali, além da bela vila com casinhas que parecem saídas de um livro de histórias infantis, mantém-se viva a tradição do curanto, um assado de carnes e legumes feito em um buraco aberto na terra. Os ingredientes são colocados nele e cobertos com pedras quentes. Ai de você se for até lá e não provar. Os anfitriões vão ficar, para dizer o mínimo, desapontados. Experimente: o sabor é forte, mas delicioso. Para passeios de um dia, diversos senderos (trilhas) levam à bela Laguna Negra; os corajosos podem arriscar uma subida ao Cerro López, belo treinamento para os que se aventuram a escalar o Cerro Tronador, de 3 491 metros, na divisa da Argentina com o Chile. O Tronador é o vulcão bambambã do pedaço e por isso chama tanto a atenção. E, se você quiser subir um trecho dele sem cordas nem grande expertise, saiba que é possível até mesmo a cavalo. O passeio vai até o Refugio Otto Meiling, um abrigo de montanha que fica a cerca de 2 mil metros de altitude.

Mas talvez a cereja desse bolo patagônico esteja além de Bariloche, nas idílicas Villa la Angostura e San Martín de los Andes. Elas se conectam pela Ruta de los Siete Lagos, de 110 quilômetros, uma estrada que percorre o entorno dos tais sete lagos (Nahuel Huapi, Espejo, Correntoso, Escondido, Villarino, Falkner e Machónico). O visual é belíssimo e, com os dias longos de verão (o sol se põe às 21 horas em janeiro), as paradas para trekking e até para uma pesca de truta vão ser tentadoras – como a rota não tem postos de gasolina nem serviços, previna-se abastecendo antes de sair e leve lanche e água. Às margens do Lago Nahuel Huapi (que também banha Bariloche), La Angostura tornou-se um reduto VIP desde a reforma do histórico hotel Correntoso Lake & River, em 2003, com seu spa gigantesco, píer exclusivo e o chá da tarde mais tradicional da região. Depois disso surgiram muitos outros hotelões que gostam de receber os hóspedes com chocolate e champanhe – como o Los Juncos e o La Sirenuse. E também vieram condomínios hypados, como o Cumelén Country Club e o Muelle de Piedra. Claro que os restaurantes de alta gastronomia também se multiplicaram nesses hotéis. O La Sirenuse inaugurou há pouco tempo seu restaurante gourmet, o Yuco, sob a batuta do chef Fernando Scharpf. Promete ser a sensação de 2011.

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Espremida entre altos picos e banhada pelo Lago Lácar, San Martín de los Andes, com seu jeitinho suíço, também entrou para a rota VIP da Patagônia com a inauguração do Río Hermoso, um charmoso lodge em cuja parte posterior passa o belo rio de mesmo nome. O verde intenso dos bosques que rodeiam o hotel entra pelas grandes janelas e varandas dos únicos sete quartos. No comando do restaurante está o renomado chef Julián Vignoles, que já cozinhou para o Hotel Alvear e para o restaurante Te Mataré Ramirez, em San Isidro. O programa diário são caminhadas pelos bosques e longas tardes de ócio e leitura nas varandas privativas com vista para o rio. Apesar de ter crescido muito na última década, San Martín não se deixou tomar por hordas de turistas como Bariloche, controla o padrão arquitetônico de suas construções com rigor e continua com jeitinho de cidade pequena com muitas lojinhas de artesanato e ruelas tranquilas. Durante o dia, além das horas de comilança – há excelentes restaurantes por ali, como o La Tasca ou o La Reserva –, os viajantes queimam calorias em passeios de bike, caiaque e caminhadas.

Para ir mais adiante ainda, só tomando em Bariloche, perto do Llao Llao, os barcos do Cruce Andino, que realizam diariamente a bela travessia desde esse canto argentino até Puerto Varas, no Chile. Entre trechos percorridos em ônibus e barcos lá se vai um dia inteiro de viagem, com direito a vistas matadoras. No cenário, vulcões como o Osorno, já no Chile, com seu cone nevado perfeito, e o gigante Tronador; e as águas muito cristalinas do Lago Todos los Santos e do autoexplicativo Lago Esmeralda. A parada para o almoço é na bucólica Peulla, no lado chileno da fronteira.

No fim, o confim

Com tudo isso, a verdade é que poucos destinos do país dão a sensação de “agora sim eu conheci a Argentina” quanto Ushuaia, a cidade mais austral do continente. São mais de três horas de viagem desde Buenos Aires em caso de voo direto. Ao chegar não há como não pensar nas andanças de Darwin, Shackleton e de todos os cientistas e aventureiros que conquistaram essa parte do planeta. Um vento forte e frio bateu no meu rosto assim que desci do avião. A cidade é pequena e acolhedora, com ruas tranquilas e casinhas de pedra e madeira convertidas em hostels, cafés, lojas e restaurantes. Ushuaia fica aos pés dos Andes e tem um porto de mesmo nome de onde partem longos cruzeiros à Antártica e minicruzeiros de três noites que refazem a rota de Darwin até Punta Arenas. Nesses cruzeiros, nada de noite do comandante nem traje de gala: os ambientes são informais e o foco são documentários e palestras sobre história, fauna e flora dessa região e passeios diários a colônias de pinguins, ilhas desertas, grandes glaciares e até ao mítico Cabo Horn. De volta dessa friaca toda, é reconfortante saber que há a bordo cozinha refinada, cabines aquecidas e open bar. De Ushuaia também partem cruzeiros bate e volta pelo Canal Beagle.

Com o turismo em Ushuaia crescendo de maneira significativa na última década, a cena hoteleira mudou. Luxuosos hotéis abriram por lá, como o Las Hayas e o Los Cauquenes, garantindo o máximo de mimos aos hóspedes que retornam de seus passeios ao estilo National Geographic. “Não imaginava que um lugar aparentemente tão inóspito pudesse oferecer esse serviço impecável”, disse à VT o carioca Rubens Tabalipa, que passou duas noites na cidade antes de embarcar em um cruzeiro. Amplas janelas para admirar a paisagem, terraços com vista panorâmica, lareiras para suportar o gélido inverno e tecidos de decoração feitos em tear são obrigatórios. No inverno, Ushuaia atrai também esquiadores e iniciantes em esportes de inverno à estação Cerro Castor, a 15 minutos do centro. E é do centro da cidade que parte o Tren del Fin del Mundo, com seus vagões mantidos como em 1909, quando passou a operar, mas com o conforto que os dias de hoje pedem (após uma reforma nos anos 1990). Ele segue até a entrada do Parque Nacional Tierra del Fuego, na Estacion del Fin del Mundo, uma verdadeira viagem no tempo por entre picos nevados e a névoa frequente sobre os campos cortados pela ferrovia. No destino há empresas que realizam outros passeios, incluindo trekkings pelos senderos do parque e canoagem no Lago Roca.

Claro que tudo isso não cabe em uma viagem rápida. E também não é necessário ficar semanas a fio no país. A Argentina está, perdoe-me a platitude, aqui do lado. É interessante pensar nesses roteiros em idas e retornos ao país vizinho. Se um taxista também quiser saber se você conhece a Argentina, aí então talvez possa dizer: “Se conheço?! Melhor mesmo que o meu país”.

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