Assim como o Woody Allen, meu relacionamento com a morte permanece o mesmo: sou inteiramente contra. Essa perda inexorável e súbita transforma pesadamente nosso cotidiano. Dor que, guardadas as proporções, pode ser análoga à de um divórcio e, em menor escala, até à de uma demissão. A boa notícia é que atrás do porto tem uma cidade, ou, para entrar no tema, nada como uma boa viagem para expurgar, exorcizar, dar um bico para a lateral em quaisquer sentimentos de desconsolo, melancolia, rancor.
Acabo de provar o sabor amargo do fim de um casamento, antítese ao de um bem-casado. Estava de viagem marcada (sem ela) e cogitei abortar o plano. Pensei que não houvesse clima. Encarnei, porém, o espírito da americana Elizabeth Gilbert, que após seu desquite partiu em busca de um upgrade no autoconhecimento e comeu, rezou e amou.
Acho que minha viagem não renderia um best-seller, mas foi fundamental para eu me refazer. A chuva barcelonesa emoldurada pela genialidade de Gaudí tranquilizou minha mente e meu coração. Sob o sol de Budapeste, a brisa do Rio Danúbio me prognosticou um novo e vibrante futuro que nem as marcas de balas alemãs e russas que perduram em algumas construções vão abalar. Difícil não se sentir como o José Costa, personagem de Budapeste, de Chico Buarque, que, na capital húngara, reinventa sua vida.
Por estar de cadeira de rodas, minha trip sempre é acompanhada de um quê extreme que, respeitadas as abismais proporções, se assemelha com a aventura de outra escritora americana, Cheryl Strayed. Após perder a mãe e ver o casamento ruir, ela resolveu encarar a pé, sozinha, 1 770 quilômetros de uma trilha cheia de cascavéis da Califórnia até quase o Canadá. A viagem fez lhe bem, como se lê em seu livro Livre. Mas, como eu percebi, não é preciso conviver com serpentes para curar as grandes dores de amores.
O COLUNISTA
Bruno Favoretto crê que o húngaro é a única língua que o diabo respeita
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