Restaurante Canalha é a melhor abertura do ano em Lisboa
Depois de percorrer Portugal para conhecer produtores e fazer jantares impensáveis, o chef lisboeta João Rodrigues abre a casa mais concorrida da capital
Foram milhares de quilômetros percorridos. Primeiro para visitar produtores e conhecer o trabalho que fazem os profissionais rurais capazes de produzir o que de melhor Portugal tem a oferecer — de mel a raças autóctones de cabras, de todos os tipos de frutas a sidras artesanais.
Depois, para criar refeições em estilo pop-up por todas as regiões do país, de Trás-os-Montes à Beira, do Ribatejo ao Algarve, ocupando os mais distintos (e desafiantes) lugares: um farol, o fumeiro de uma taberna, debaixo de uma oliveira com milhares de anos.
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Chegou a hora, entretanto, de estacionar: para isso, o chef João Rodrigues escolheu um pequeno espaço na Rua da Junqueira, em Lisboa, para abrir seu primeiro — e muito aguardado — projeto desde que deixou a cozinha do Feitoria, restaurante com uma estrela Michelin em Belém, onde ele permaneceu por mais de uma década e se projetou como um dos mais talentosos chefs de Portugal.
O Canalha, como foi batizado, tem jeito de restaurante de bairro, daqueles que estão cada vez mais raros de encontrar em uma cidade onde a gentrificação tem imposto sua presença de forma acelerada. O nome, ele diz, é uma homenagem ao avó nascido e criado no norte, onde é comum chamar as crianças carinhosamente de “canalhas”.
Há um balcão comprido ocupando quase todo o salão, mesas de mármore e, em breve, algumas televisões para assistir aos jogos de futebol — uma obsessão do chef sportinguista. Rodrigues explica que é um restaurante de todos os dias, daqueles de casa cheia, de barulho, de gente a entrar e a sair.
O cardápio também segue a cartilha portuguesa da culinária simples e direta: comida feita com bom produto, “de tacho, de forno e de grelha”, como explica Rodrigues. Há pão e azeitonas, como em toda casa portuguesa, há chorizo, há queijo, há anchovas e há pastel de bacalhau (não ouse chamá-lo de “bolinho”).
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E como é um restaurante “antigo”, mas moderno, também há muitos vegetais: como o alho-poró assado com pinolis e vinagrete de mel ou cogumelos selvagens com gema, como pede o gosto do consumidor de hoje.
Mas também há produtos-estrela, como os suculentos camarões carabineiros (com ovo frito e batata), a lula grelhada com manteiga de ovelha, arroz frito de mar e montanha e o clássico leite-creme de sobremesa.
Porém, o que há hoje, pode não haver amanhã: o menu muda consoante aos produtos de estação. E se tem uma coisa que Rodrigues se esmerou em conhecer foi o que cada época tem oferecer de melhor à mesa em seu país.
O projeto de mapear produtos e produtores, batizado de Matéria (e que segue em constante ampliação no site criado para divulgá-los), deu a ele um largo conhecimento sobre tudo aquilo que é produzido, do inverno ao verão, do leste ao oeste.
Poucos cozinheiros se deram a rica oportunidade de desbravar seus territórios como Rodrigues. “Corri o país todo em busca de pequenos produtores, fui às suas casas, comi nos seus restaurantes preferidos, provei comidas que não conhecia, vi paisagens, aldeias, monumentos”, ele conta.
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Essa experiência tão transformadora para sua visão de cozinheiro o fez pensar que talvez houvesse mais pessoas que gostariam de poder sentar nessas mesas, conhecer essa gente.
No começo do ano, ele lançou o projeto ainda mais ambicioso — e quase inconcebível do ponto de vista logístico. Cozinhar por um final de semana em cada uma das regiões do país nos lugares mais improváveis.
Com o fiel cozinheiro Fernando Cardoso como braço direito e a sócia e esposa Vánia Rodrigues a fazer tudo acontecer, ele acaba de realizar a última das edições do Residência, como a iniciativa foi batizada: na Madeira, ele se despediu do périplo.
“Sempre pensei que seria incrível poder partilhar isso com as pessoas, mostrar um lado genuíno e pouco turístico do país, uma espécie de beleza natural destas pessoas e lugares”, ele conta.
O Residência foi criado, comenta Rodrigues, exatamente para isso: levar pessoas por Portugal inteiro e viverem experiências como as que ele tinha tido. “Juntamos a questão de cozinhar em locais fora da caixa com o uso exclusivo de produtos locais e inspirados no receituário de cada uma das regiões”, acrescenta.
Agora, até decidir começar algum novo projeto (há a possibilidade de levar o Matéria para Angola) e colocar em marcha o plano de finalmente abrir seu próximo restaurante de alta cozinha no oeste do país, o Monda, ele deve assentar um pouco na cozinha do Canalha, dividindo os fogões com a brasileira Lívia Orofino (que já trabalhou por aqui em restaurantes como o carioca Lasai).
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Ali, Rodrigues está em casa, servindo a comida que ele mais gosta de comer: “bem-feita e com bons produtos”, como diz. “Uma boa carne na grelha, um bom peixe, mariscos. Eu queria muito um espaço onde me sentisse à vontade para comer, sem grandes complicações”, conta.
Sem grandes pretensões e em um pequeno espaço em uma rua tão lisboeta como a alma daquilo que serve, ele acabou por abrir as portas do que, para muitos é, sem dúvida, a melhor abertura do ano na cidade.
Canalha
Rua da Junqueira 207, Alcântara
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