São Lourenço do Barrocal: o hotel mais português de Portugal
A poucos minutos de Monsaraz, no Alentejo, uma ode às tradições alentejanas e ao melhor do país
Existem hotéis que são meros coadjuvantes na experiência de um destino. E existem aqueles hotéis que são o próprio destino. O São Lourenço do Barrocal, no Alentejo, a cerca de 180 quilômetros de distância de Lisboa – vencidos em cerca de duas horas -, é destino. Um destino cercado por 780 hectares recheados de vinhedos e oliveiras, pontilhado por formações rochosas de milhares de anos e habitado por pelo menos 75 diferentes espécies de pássaros. Um destino que tem a sua própria horta biológica (de 10 mil metros quadrados!), produz o seu próprio azeite e fabrica o seu próprio vinho. Um destino que tem trilhas para percorrer a pé ou de bicicleta; que tem bicicleta; e que tem também amor. Amor pelo passado, pela história, pelo que é português.
Às franjas da Barragem de Alqueva, quase na fronteira com a Espanha, a herdade do Barrocal foi fundada em 1820 e, na sua última encarnação, abrigava uma pequena aldeia onde viviam cerca de 50 famílias. O projeto de recuperação das construções em ruínas, para a transformação em hotel, coube a um dos maiores nomes da arquitetura do país: Eduardo Souto de Moura, o segundo português na história a vencer o Pritzker, o maior prêmio mundial da área, em 2011 (o primeiro foi Siza Vieira, quase duas décadas antes).
O respeito pelas linhas e traços ali existentes se transformou na alma do que é hoje o Barrocal. Está lá a rua principal da vila, calçada em pedras. Estão lá as casas dos antigos moradores, transformadas em suítes e casinhas de dois ou três quartos. Sempre com portas e janelas azuis, trepadeiras a subir pelas paredes, laranjeiras a sombrear as fachadas. Está lá a ala dos trabalhadores solteiros, que viviam em dormitórios, hoje transformada no spa. E estão lá os velhos silos, trechos de muros antigos, as lindas ruínas de um colmeal. As 250 mil telhas que hoje cobrem as construções foram recuperadas entre os escombros e em propriedades vizinhas. Cerca de 70 mil tijolos também (os demais 350 mil foram feitos artesanalmente seguindo os preceitos da tradição local). Resultado: Souto de Moura ganhou o Leão de Ouro na Bienal de Veneza pelo belíssimo trabalho.
Se do lado de fora a sensação é a de voltar a um Alentejo de tempos atrás, impecavelmente caiado e com direito a cheiro (e fumaça!) de lenha, do lado de dentro o design é uma ode ao que melhor se faz em Portugal, dos tapetes ao estilo de Arraiolos com os padrões exclusivos do ateliê AnahoryAlmeida aos macramês da Po:emo, passando pelos móveis e luminárias do Atelier 51. Antigos documentos ganharam os delicados desenhos da artista Henriette Arcelin para decorar as paredes, iluminados, por vezes, por velhos lampiões. Antigas tradições também dão as cartas. A fogueira que aquece os dias de inverno também esquenta as chaleiras e panelas de ferro. E o fim de tarde se brinda com bolos.
Nos quartos, os lençóis são de algodão egípcio, as mantas são de pura lã de ovelha e a máquina de café é Nespresso. Ao fim de cada dia, uma bandeja recheada de chá e biscoitos amanteigados chega como mágica. Nos banheiros, as pias, torneiras e balanças têm cara de casa de avó (mas chegam junto de modernidades como o piso aquecido). As amenities são orgânicas, da marca austríaca Susanne Kaufmann – a mesma que assina os tratamentos do spa, que conta ainda com um grande ofurô (que infelizmente estava fechado para manutenção durante nossa última visita).
A lista do que fazer no destino Barrocal inclui banhos de piscina num belo espelho d’água com um barrocal (as famosas formações rochosas da região) a ensaiar um mergulho numa esquina; passeios a cavalo ou de balão; caminhadas sem fim entre sobreiros, azinheiras, oliveiras; pedaladas de bicicleta sem repetir um cenário por dias; degustações de vinhos na adega; piqueniques; ou simplesmente nada. No Barrocal, fazer nada é fazer muito.
O dia começa preguiçoso, com um café da manhã servido até quase a hora do almoço. Independentemente da fome, prometa não deixar de provar o presunto cru, dos melhores de Portugal. Agora no inverno, a lareira quase não se apaga e escolta as refeições que seguem a filosofia farm to table. A farm, no caso, se esparrama logo ali, para além de onde a vista alcança, do lado de fora das janelas. Entre os pratos, lombo de veado com purê de castanhas e legumes da horta, cordeiro com migas de coentros, polvo a lagareiro, nacos de vitela (criada na propriedade!) com batatas. Para encerrar, bolo de mel e nozes com sorvete de tangerina.
Este ano, o Barrocal está comemorando o aniversário de 200 anos da herdade. Para iniciar as celebrações, trouxe ainda mais Alentejo para dentro de casa. No último domingo, foi protagonizado o ritual da matança do porco, tão típico destas bandas, onde se aproveita do focinho ao rabo do animal. O espetáculo foi comandado pelo chef José Júlio Vintém, do tradicionalíssimo restaurante Tomba Lobos, de Portalegre. A fogueira foi acesa, o vinho foi servido e o almoço virou festa, com direito a uma emocionante entoação de cantos alentejanos pelos moradores da região. Comeu-se cabeça, pé, costela, fígado, morcela.
Precisar nem precisava, mas, de qualquer canto que se olhe, no horizonte se descortina a encantadora vila de Monsaraz, delimitada pelas muralhas de um castelo secular. E à noite o céu é dos mais estrelados que há.
Anote ai: nesta época do ano, as diárias custam desde € 215, com café da manhã. Faça aqui a sua reserva.