Além-mar

Rachel Verano rodou o mundo, mas foi por Portugal que essa mineira caiu de amores e lá se vão, entre idas e vindas, mais de dez anos. Do Algarve a Trás-os-Montes, aqui ela esquadrinha as descobertas pelo país que escolheu para chamar de seu
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Coronavírus em Portugal: crônica de um sábado à noite no Porto

Multidão na rua, teatros abertos, restaurantes lotados e com enormes filas. Não fossem as máscaras, a sensação era de que a pandemia tinha acabado

Por Rachel Verano
Atualizado em 16 out 2020, 12h00 - Publicado em 16 out 2020, 12h00
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A Rua de Santa Catarina no último fim de semana no Porto: lotada (Bruno Barata/Reprodução)

Fim de semana de céu azul, sol e calor no Porto. O friozinho do outono deu uma trégua e nos brindou com um começo de noite digno de verão. Saímos sem rumo pelas ruas do centro da cidade, de manga curta, brisa no rosto, sonhando com uma imperial (o chope português) numa mesa ao ar livre para escoltar o nosso maior objetivo daquele sábado: o sanduíche de pernil da Casa Guedes, uma verdadeira instituição portuense, tido como o melhor da galáxia, recomendado como absolutamente obrigatório.

O caminho traçado pelo Google Maps a partir do nosso apartamento no bairro de Cedofeita era quase um city tour. Num percurso de 2 quilômetros, passamos pela Igreja do Carmo, do século 18, com sua fachada decorada com lindos azulejos; vimos a famosa Livraria Lello, com sua escadaria vermelha e uma multidão de pessoas fazendo foto na porta (fechada); contornamos a Torre dos Clérigos, um dos grandes postais da cidade; atravessamos a Avenida dos Aliados e vimos, de soslaio, a linda Estação de São Bento. As multidões entupiam as calçadas, os celulares clicavam mil fotos, as sorveterias eram disputadas por dezenas de pessoas. 

Cortamos para a pequenina Rua de Sá da Bandeira. Os néons do teatro batizado com o nome da rua, centro de espetáculos mais antigo do Porto, inaugurado em 1846, iluminavam todo o quarteirão. Senhorinhas de braços dados conversavam à porta, famílias inteiras faziam fila para entrar para o espetáculo que estaria prestes a começar. Até o vendedor ambulante estava agitado, andando de um lado para o outro.

Virando à direita na Rua de Passos Manuel, o cenário era o mesmo. Atravessamos a Rua de Santa Catarina, uma das principais artérias do Porto, fechada ao trânsito, e a animação continuava. Vendedores ambulantes se misturavam a artistas de rua, que se misturavam à fumaça das castanhas assadas, que se misturavam à multidão, que seguia incólume até onde a vista alcançava.

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Um pouco à frente, jovens universitários se reuniam alegres em frente ao Coliseu já de portas abertas, transformando aquele quarteirão numa típica pré-balada de uma noite de verão. Quase não havia distinção entre uma esplanada e outra – todas cheias de gente. A porta do Café Santiago, casa da francesinha mais famosa do Porto, não negava a sua fama. Casais de mãos dadas e grupos de amigos formavam uma longa fila na calçada. E então chegamos à Praça dos Poveiros, endereço da mítica Casa Guedes e de outras casas quase tão famosas quanto. 

O que encontramos? Esplanadas com lotação máxima. Pessoas paradas na rua atrapalhando o trânsito. Longas filas na porta de todos os restaurantes. Pessoas em pé na rua, na praça, no jardim. Uma típica noite de verão, não fosse o ano 2020 e o dia, 10 de outubro, aquele que ficou famoso pelo recorde de novos casos de coronavírus em Portugal (o recorde anterior era o do dia 10 de abril, auge do lockdown, quando foram registrados 1.516 novos casos – naquele dia eles eram 1.646, número que já foi ultrapassado esta semana). Sem a menor chance de encararmos a situação, nos restou pedir um frustrante takeaway do melhor sanduíche da cidade e chamar um Uber pra comer em casa. A maior graça ficou por conta das cebolas caramelizadas ao vinho do Porto que acompanhavam as tenras fatias de pernil. 

NOTAS DE RODAPÉ

  1. Este texto é fruto de uma experiência única e pessoal no Porto. Não sou freak nem muito menos fiscal do coronavírus, mas costumo agir com bom senso, seguindo sempre as regras ditadas pelo governo e os órgãos de saúde do país. O que vi naquela noite no Porto eu ainda não tinha visto em Portugal. Não fossem as máscaras na rua (justiça seja feita, também bem mais comuns do que em outros cantos do país), eu poderia jurar que a pandemia tinha acabado naquele dia e só eu não tinha ficado sabendo.
  2. Sim, o sanduíche de pernil da Casa Guedes é o melhor da galáxia. Fui obrigada a voltar no dia seguinte no meio da tarde, quando só haviam uns gatos pingados na tal praça, para comer tudo de novo. E repetir.
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