O começo do mês de Maio marcou o início do período de desconfinamento em Portugal. Desde o dia 4, a cada 15 dias novas medidas são anunciadas e, aos poucos, o país vai retomando a vida fora de quatro paredes – o governo está, inclusive, estimulando as circulações e deslocamentos, numa tentativa de reativar a economia. Foi assim que, quase três semanas depois do fim do lockdown, finalmente criei coragem para dar uma voltinha, digamos, mais longe de casa (vale lembrar que as fronteiras continuam fechadas e que viajar de avião, por enquanto, nem pensar!).
Ao escolher o destino, eu tinha alguns requisitos: que fosse um lugar muito tranquilo, sem muvuca, imerso na natureza e com sossego absoluto. E então Esperança surgiu no radar logo nas primeiras buscas. Uma vila de pouco mais de 700 habitantes, no coração da Serra de São Mamede, no Alentejo, bem na fronteira com a Espanha. Um lugar famoso por trilhas e pinturas rupestres, pontilhado por alguns destinos históricos (como as lindas cidadezinhas de Marvão e Castelo de Vide) e, certamente, vazio. Uma casinha fofa no Airbnb com preços surreais (diárias a € 30!) no meio do nada, e voilà! Estava marcada a aventura!
Nos dias que antecederam a viagem eu estava ansiosa como se fosse para o outro lado do mundo. Fiz compras de supermercado para garantir todas as refeições em casa, separei o biquini, escolhi um bom livro. Na sexta-feira de manhã, caí na estrada ansiosa. Primeira constatação: ela estava vazia. Mal me lembro de passar por outros carros num dos trechos mais movimentados do país, na A2 rumo ao Alentejo. Parar para abastecer o carro teve ares de faroeste. Um calor inebriante, o ar parado, a loja de conveniência de portas fechadas (com atendimento só pela janelinha) e nada, nem ninguém, por perto. Não passou um carro pela estrada durante todo o tempo em que estivemos lá.
Pelo caminho iam desfilando placas e silhuetas de destinos famosos: Évora, Estremoz, Monforte. As estradas foram ficando cada vez mais estreitas (e floridas!) até aparecerem uns trechos onde simplesmente não cabiam dois carros. Problema nenhum – nunca veio ninguém do lado oposto. Exatos 235 quilômetros depois o GPS anunciava a chegada ao destino: um típico monte alentejano com casinha branca de janelas azuis, cercado de sobreiros de troncos largos e retorcidos, sem sinal de vida até onde a vista alcançava. Nosso paraíso por três dias.
O tempo passou devagar entre longos períodos de leitura na varanda, muitas taças de vinho branco e um calor que fazia reinar a preguiça. Os dias amanheciam com café da manhã na mesinha do lado de fora e anoiteciam com aperitivos no mesmo lugar, intercalados com pequenos bate-voltas pelos arredores. No roteiro, a indicação de uma cascata, um riacho com uma margem sob o verde da floresta, uma represa boa para dar um mergulho. Quase nada no GPS. Marvão? Castelo de Vide? Não foi desta vez, ficou para uma próxima. Conhecemos apenas Arronches, uma cidadezinha linda e cênica, de dentro do carro (ela estava sempre no nosso caminho!). Restaurantes também não entraram na lista.
Três dias depois, já era hora de voltar pra casa. A melhor sensação? A de descompressão. Três dias que pareceram semanas. Os campos floridos. Os rebanhos. O mar de oliveiras. O calor do Alentejo. As flores na estrada, as janelinhas de madeira azul, as portas que rangem. A vida do lado de fora, tão simples e tão avassaladora ao mesmo tempo. Que possamos ir cada vez mais longe de casa. #vaipassar