Montevidéu, a cidade certa na hora errada
A relação de amor e ódio entre a colunista e uma cidade. Ou, foi tudo culpa do Gerardo. Pobre Gerardo
Filho, eu sempre escrevo pra contar coisas legais. Esta não é tão legal assim, mas é construtiva, porque nem tudo são flores em viagens, por mais que os sorrisos nas redes sociais queiram nos mostrar o contrário.
Leia ouvindo esta linda música de Jorge Drexler, Montevidéu. Ameniza o caos.
Era 2000 e pouco, comemoração dos 20 anos de um casamento quase falido. Decidimos ir pro Uruguai. No inverno. Erro. Imenso. Depressão bombando por dentro. Por fora uma melancólica Montevidéu com um maldito vento que atravessava os ossos, céu cinza e Rio da Prata idem. O combinado de coisas pra dar ruim quando já se está triste.
Este foi o grande erro de viagem da minha vida! A constatação veio anos depois: uma viagem não salva um relacionamento. Ao contrário, acentua todos os problemas.
Aconteceu muita coisa antes, durante e depois, mas digamos que o ponto alto do desastre turístico foi ter na cola um nativo meio stalker, que conhecemos na Plaza Independencia, um cara que nos acompanhou meio forçosamente usando uma dose de chantagem emocional durante toda a estadia na cidade. Gerardo, nosso anfitrião auto-imposto, tinha acabado de se separar ao mesmo tempo em que perdia o pai. Estava carente. Quem tinha coragem de decepcionar um homem nestas condições? Eu. Eu teria. Eu estava no meu limite.
Mas teu pai é do tipo: “Que bom ter um nativo nos guiando” (o que concordo, mas não nesta viagem) e assim Gerardo se tornou nossa sombra e testemunha de tretas e choros por dias. Sim, por dias.
Eu e ele tivemos até um momento poético quando paramos numa mureta na beira do Rio na hora do por-do-sol e ele disse, emocionado, que aquele lugar tinha sido o último lugar que ele havia estado com o pai ainda consciente, antes do Alzheimer se instalar definitivamente. Chorei, já tinha virado rotina chorar.
Montevidéu ficou marcada e tenho aqui comigo que ela precisa ser exorcizada, ser refeita com outras companhias, no verão, com vida nas ruas, varandas dos bares lotadas de gente, alegria e olhar positivo pra melancolia natural de uma cidade organizada, bonita e com um povo extremamente cordial.
Existem tantos motivos pra revisitar Montevidéu do jeito que ela merece: a Ciudad Vieja, a Rambla, carnes maravilhosas, doce de leite, medio y medio, metade vinho e metade espumante que nem sei se é nativo mesmo ou uma pegadinha de Mercado del Puerto, só sei que gosto.
Ah, os crepes recheados servidos com o té con leche! O clericot, um tipo de sangria branca feita com vinho branco ou espumante e frutas – uva, laranja, pomelo, melão, morango, kiwi, maçã, abacaxi e até frutas em calda. Uma mistura deliciosa!
O aroma de parrilla no ar, cafés com bules vestidos de roupinhas de crochê e coisinhas gostosas pra acompanhar. Nas ruas grafites, lambe-lambes, construções antigas vazias, livrarias, muitas imagens vintage nas ruas, lojas e paredes de estabelecimentos. E tem Mujica. Salve Mujica!
Montevidéu é gostosa. Eu só precisava de um olhar realista, livre do cinza de uma alma sem alegria! Nós, eu e ela, merecemos uma segunda chance.
É só sobre isso que queria falar, filho. Vá pra Montevideo com amigos, com um amor numa fase boa ou vá sozinho, embora eu ache Montevideo uma cidade social, pra visitar em duplas ou grupos.
Te amo, pequenino. Espero que logo você coma o doce de leite uruguaio, não conta pros argentinos, mas o uruguaio é melhor.
Ah, e você que me lê, já teve um Gerardo na sua viagem? Me conte, meu Instagram está aí abaixo.
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