Imagem Blog Olha o mundo, filho! Ana Claudia Crispim achou que Cinquenta Tons de Cinza definiria a segunda metade da sua vida, mas hoje tem na cabeceira um exemplar de Criando Meninos – o que não quer dizer que tenha desistido de encontrar um Christian Grey. Aqui, ela escreve cartas sobre os seus lugares favoritos do mundo para o pequeno Nando.
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Montevidéu, a cidade certa na hora errada

A relação de amor e ódio entre a colunista e uma cidade. Ou, foi tudo culpa do Gerardo. Pobre Gerardo

Por Ana Claudia Crispim
Atualizado em 18 jun 2022, 09h20 - Publicado em 17 jun 2022, 15h46
Visão traseira de carro antigo com o rio da Prata ao fundo
A melancolia em forma de fotografia. (Ana Crispim/Arquivo pessoal)

Filho, eu sempre escrevo pra contar coisas legais. Esta não é tão legal assim, mas é construtiva, porque nem tudo são flores em viagens, por mais que os sorrisos nas redes sociais queiram nos mostrar o contrário.

Leia ouvindo esta linda música de Jorge Drexler, Montevidéu. Ameniza o caos.

Era 2000 e pouco, comemoração dos 20 anos de um casamento quase falido. Decidimos ir pro Uruguai. No inverno. Erro. Imenso. Depressão bombando por dentro. Por fora uma melancólica Montevidéu com um maldito vento que atravessava os ossos, céu cinza e Rio da Prata idem. O combinado de coisas pra dar ruim quando já se está triste.

Estación Central General Artigas, a antiga estação ferroviária principal de Montevidéu.
Estación Central General Artigas, a antiga estação ferroviária principal de Montevidéu. (Ana Crispim/Arquivo pessoal)

Este foi o grande erro de viagem da minha vida! A constatação veio anos depois: uma viagem não salva um relacionamento. Ao contrário, acentua todos os problemas.

Mulher passa em frente a um mural com temas vintage da Coca-Cola.
Ahhhh, os murais que são a cara de Montevideo, é muito charme. Mas, perceba minha expressão de felicidade. (WaldirPC/Arquivo pessoal)

Aconteceu muita coisa antes, durante e depois, mas digamos que o ponto alto do desastre turístico foi ter na cola um nativo meio stalker, que conhecemos na Plaza Independencia, um cara que nos acompanhou meio forçosamente usando uma dose de chantagem emocional durante toda a estadia na cidade. Gerardo, nosso anfitrião auto-imposto, tinha acabado de se separar ao mesmo tempo em que perdia o pai. Estava carente. Quem tinha coragem de decepcionar um homem nestas condições? Eu. Eu teria. Eu estava no meu limite.

Plaza Independencia com palmeiras e prédios governamentais do fundo. Uma pomba voa em primeiro plano.
Plaza Independencia, o lugar onde fomos abduzidos por Gerardo, nosso anfitrião inconveniente. (Ana Claudia/Arquivo pessoal)

Mas teu pai é do tipo: “Que bom ter um nativo nos guiando” (o que concordo, mas não nesta viagem) e assim Gerardo se tornou nossa sombra e testemunha de tretas e choros por dias. Sim, por dias.

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Peixes frescos pendurados em uma vitrine de restaurante
Marisqueria El Italiano no Puertito del Buceo. A melhor contribuição de Gerardo para a nossa viagem. Fofo. (Ana Claudia/Arquivo pessoal)

Eu e ele tivemos até um momento poético quando paramos numa mureta na beira do Rio na hora do por-do-sol e ele disse, emocionado, que aquele lugar tinha sido o último lugar que ele havia estado com o pai ainda consciente, antes do Alzheimer se instalar definitivamente. Chorei, já tinha virado rotina chorar.

Bandeira do Uruguai flamulando.
Sol? Sorriso? Só na bandeira. (Ana Crispim/Arquivo pessoal)

Montevidéu ficou marcada e tenho aqui comigo que ela precisa ser exorcizada, ser refeita com outras companhias, no verão, com vida nas ruas, varandas dos bares lotadas de gente, alegria e olhar positivo pra melancolia natural de uma cidade organizada, bonita e com um povo extremamente cordial.

Carne mal passada em primeiro plano com batatas fritas ao fundo
A Argentina que me desculpe, mas as carnes do Uruguai… (Ana Crispim/Arquivo pessoal)

Existem tantos motivos pra revisitar Montevidéu do jeito que ela merece: a Ciudad Vieja, a Rambla, carnes maravilhosas, doce de leite, medio y medio, metade vinho e metade espumante que nem sei se é nativo mesmo ou uma pegadinha de Mercado del Puerto, só sei que gosto.

Taça cheia de liquido branco, o medio y medio, num balcão de madeira com placas de nomes de comidas ao fundo.
Medio y medio, combina mais com o verão. Mas já que estava lá… (Ana Claudia/Arquivo pessoal)

Ah, os crepes recheados servidos com o té con leche! O clericot, um tipo de sangria branca feita com vinho branco ou espumante e frutas – uva, laranja, pomelo, melão, morango, kiwi, maçã, abacaxi e até frutas em calda. Uma mistura deliciosa!

Jarra de clerricot com frutas e uma taça à esquerda.
Clericot, o irmão mais enfeitado da sangria. Uma mistureba que deu certo. (Ana Crispim/Arquivo pessoal)
Grelha de parrilla com carnes e legumes sendo grelhados. Ao fundo um homem desfocado
A famosa parrilla uruguaia no Mercado del Puerto. Linda, cheirosa, um ícone da cultura gastronômica uruguaia. (Ana Claudia/Arquivo pessoal)

O aroma de parrilla no ar, cafés com bules vestidos de roupinhas de crochê e coisinhas gostosas pra acompanhar. Nas ruas grafites, lambe-lambes, construções antigas vazias, livrarias, muitas imagens vintage nas ruas, lojas e paredes de estabelecimentos. E tem Mujica. Salve Mujica!

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Prato com crepe recheado recém cortado, com uma cereja e garfo.
Crepes recheados de dulce de leche e maçaricados com açúcar. Nem precisava da cereja, mas é um bom trocadilho. (Ana Crispim/Arquivo pessoal)
Em primeiro plano xícaras de louça estampadas com flores. Ao fundo um bule vestido com uma capa de crochê. Há também um potinho com uma flor amarela.
É cada detalhe fofo no Philomène Café, fora as bebidas e comidinhas delícia. ¡Me encanta mucho! (Ana Claudia/Arquivo pessoal)
Visão superior da livraria Más Puro Verso com a escada de mármore e vitrais centralizados.
Más Puro Verso. Até o nome desta livraria é poético! Não deixe de subir as escadas, no primeiro andar tem um café. Vai um chocolate quente aí? (Ana Crispim/Arquivo pessoal)

Montevidéu é gostosa. Eu só precisava de um olhar realista, livre do cinza de uma alma sem alegria! Nós, eu e ela, merecemos uma segunda chance.

É só sobre isso que queria falar, filho. Vá pra Montevideo com amigos, com um amor numa fase boa ou vá sozinho, embora eu ache Montevideo uma cidade social, pra visitar em duplas ou grupos.

Te amo, pequenino. Espero que logo você coma o doce de leite uruguaio, não conta pros argentinos, mas o uruguaio é melhor.

Ah, e você que me lê, já teve um Gerardo na sua viagem? Me conte, meu Instagram está aí abaixo.

[Leia mais sobre viagens y otras cositas da vida de uma mãe 360º no meu Instagram @rivotrip.oficial]

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