O deserto vermelho da Austrália é para os fortes. No verão, a temperatura durante o dia raramente é de menos de 40oC – e pode ir bem além disso. Pele e mucosas esturricam. O pó cor de ferrugem arranha os pulmões. Nuvens de moscas ameaçam invadir todos os orifícios faciais (é usar a rede de proteção ou dispensar o jantar). Na condição de urbanoide, você assiste de camarote a sua impotência saltitar na frente do seu nariz. E se até aquele momento você ainda não tinha aberto os olhos para o poder da cultura aborígene australiana, meu amigo, pare e pense: eles vivem há milênios num lugar onde seu frágil corpinho não sobreviveria nem por um dia sem a parafernália da vida moderna.
Bonito e inóspito em assombrosas proporções, o outback ocupa 70% do território australiano e se espalha por uma área de 5,3 milhões de quilômetros quadrados – o tamanho da floresta Amazônica. A ínfima parte que tive o prazer de conhecer foi o parque nacional de Uluru-Kata Tjuta. Uluru (ou Ayers Rock, antigo nome em inglês), a pedra monstruosa que emerge da planície infinita, é um dos grandes símbolos da Austrália, tanto no sentido de cartão postal quanto em termos de identidade nacional. Desde os anos 80, as terras do parque nacional que a cercam foram devolvidas ao povo aborígene Pitjantjatjara (nem tente pronunciar), para quem o maior monolito do mundo é a mais sagrada das catedrais. Justamente por isso, é de uma atroz falta de respeito e noção escalar Uluru, algo que alguns energúmenos continuam fazendo apesar dos apelos enérgicos da população local.
Não é de estranhar que Uluru tenha uma conotação espiritual. Sua imagem é um soco no peito. O monumental monolito tem 3,6 quilômetros de comprimento e chega a 348 metros de altura. Em suas paredes, milhares de anos de chuvas esculpiram formas insólitas que são, aos olhos dos Pitjantjatjaras, evidências deixadas pelas entidades que criaram o universo. Chuva? Eis mais uma surpresa: o deserto australiano não é tão seco como se imagina. É claro que a água é limitadíssima e que é raríssimo vê-la caindo do céu. Mas você ficará bastante perplexo ao constatar o quão verde (para os padrões de um lugar tão árido, claro) é a paisagem que envolve a pedra, sobretudo durante o verão, a época em que acontecem as poucas chuvas anuais.
Nos desertos por onde andei, sempre tive a sensação de estar num lugar muito fora do trivial. O céu é mais azul. A paisagem tem um contorno mais nítido. Chovem estrelas. Tudo isso somado ao calor e ao ar seco acaba criando uma atmosfera meio mística. Em Uluru, tive a sensação de passar dois dias meio fora do mundo. Por via das dúvidas, trouxe um potinho de terra vermelha na mala pra ter certeza de que foi tudo verdade.
Me aguarde: nós próximos posts eu vou falar sobre acomodação, passeios e outras questões palpáveis. Enquanto isso, viaje na fotos.