Das paredes pendem trepadeiras frondosas e floridas. Oliveiras e ciprestes enfeitam as praças. Por algumas fendas na muralha espessa, se entrevê o azul que flerta com o esmeralda tão característico do Adriático. No curto trajeto até os meus aposentos no Aman Sveti Stefan, passei por ruas e becos de pedras, ladeados de casarões e capelinhas ancestrais. Para chegar até o quarto, ainda atravessei uma espécie de túnel que lembrava uma antiga adega. Ao abrir a porta, viajei no tempo.
O quarto
Por trás da fachada do século 15, me deparei com um pequeno latifúndio (de uns 40 metros quadrados) onde impera o minimalismo. As paredes são nuas e brancas. Quem precisa de mais diante de quatro janelões que que abrem para o mar? Dois tapetes de fibra natural tratam de dar um ar de aconchego, assim como as cortinas clarinhas. Dois sofás, mesa de centro e escrivaninha compõem o mobiliário, lindo e delicado, concebido em madeira clara. Assim de simples. Confesso que senti falta de uma chaise ou uma poltrona mais confortável para a leitura. Mas nada que a cama king size não pudesse resolver.
O banheiro, igualmente enorme e esparsamente mobiliado, tem uma banheira perfeita para dois, rain shower e uma dupla de penteadeiras. A coleção de amenities é enxuta, mas de qualidade (da marca Aman), distribuída em charmosos potinhos de cerâmica. O som é um potente Boze e o sistema de iluminação permite ajustes ao gosto do freguês. Para ser um pouco cricri, diria que o isolamento acústico com o corredor poderia ser melhor. Pela manhã, dava para ouvir a movimentação do staff de limpeza no exterior.
O staff
Eis um dos pontos altos. A equipe, que chega a ser um exército de 350 “soldados” na alta temporada é majoritariamente formada por jovens bem treinados, gentis e (ufa!) informais. Nada me irrita mais do que o famoso gerente que pergunta se tudo está ok a cada cinco minutos, o que não aconteceu no Aman Sveti Stefan. Mas isso não quer dizer que falte atenção. Em alguns casos, dá para notar até um certo nervosismo de parte de alguns, no afã de fazer tudo como manda o figurino do padrão Aman Resorts. Quase todos são montenegrinos ou sérvios. A sensação geral é de que aquela moçada está feliz de estar ali, participando de algo tão bem feito. Gostei especialmente da espertíssima Dragana, a menina que passeou comigo pelo vilarejo, contando um pouco da história do lugar e respondendo minhas infinitas perguntas sobre a cultura local. Aos 20 e poucos anos, ela fala servo-croata, inglês fluente, francês, um pouco de espanhol e… tcharan… português. Tiro o meu chapéu.
Gastronomia
O “centrinho” do vilarejo é a Piazza, onde há uma pequena enoteca, um “antipasti bar” e um restaurante informal, com mesas ao ar livre. Perto da piscina principal, num edifício debruçado sobre o mar, está o Aman Restaurant (a joia da coroa) e diferentes terraços que fazem as vezes de bar. Fora da ilha, na antiga residência real Vila Milocer, há mais um restaurante, além de um terraço à sombra de parreiras (lindo de morrer!) e um Beach Café. Em 48 horas era humanamente impossível provar todos eles – sendo que ainda quis experimentar alternativas fora do hotel.
Tomei meu primeiro café da manhã no Aman Restaurant, num mesa posicionada bem à frente da janela com vista para o mar. Minha escolha, o “Fisherman Breakfast”, era um banquete que daria para duas pessoas famintas: presunto defumado, lombo defumado, queijo local trufado (super trufado), picles, geleia de figos com vinagre balsâmico, brioches e uma tortinha de massa folhada recheada de espinafre. Vários sabores originais num prato só, equilibrados. No segundo dia, no restaurante da Piazza, optei por um menu mais convencional. Ovos, bacon, torradas, suco de laranja, iogurte. Tudo correto e com pouca surpresa.
Para o jantar, decidi provar o restaurante da Piazza, por causa do climinha informal, da noite estrelada e da luz de velas. É arriscado (e injusto) julgar um lugar por um prato só, mas meu risoto com parmesão e tomate cherry realmente não tinha a menor bossa. É muito provável que as costelinhas de cordeiro com iogurte da mesa ao lado estivessem mais apetitosas. Também achei os vinhos exageradamente caros: os preços começam em € 50 (algo exagerado para os padrões europeus). Ter algo na faixa dos € 35 ou € 40 seria razoável no restaurante mais simples do resort – que serve pizzas e sanduíches, inclusive.
A atmosfera
O fato de que ilha de Sveti Stefan tenha sido restaurada com tanto esmero é louvável. Os toques de modernidade, como as piscinas, foram acrescentados com sabedoria, de forma discreta e respeitosa. E como são lindas! O vilarejo seria encantador de qualquer jeito, tem voz própria. E isso definitivamente foi levado em conta. O gerente geral Kevin Brooke me contou uma coisa fascinante. Ao lado da piscina, se vê o telhadinho da igreja de Alexandar Nevski, que está quase embutida no chão. O edifício foi encontrado durante as obras! A explicação é ainda mais curiosa. O vilarejo foi convertido em hotel pelo governo comunista da ex Iugoslávia nos anos 1950 (clique aqui para ler o post em que conto melhor a história). Como todo mundo sabe, os comunistas proibiram as religiões. Sem maiores remordimentos, uma laje foi construída em cima da igreja, que desapareceu. Uma vez redescoberta, ela foi reconstruída como era originalmente, o que alongou ainda mais o processo de restauração do vilarejo. Justamente por isso, o terraço como se vê hoje, e a linda piscina infinita e negra, foram das últimas coisas a ficarem pronta, para este verão.
O anexo
E por falar no longo processo de restauração, a primeira parte do hotel a ficar pronta foi a villa dos anos 30 que serviu de residência de verão à rainha Marija Karadordevic e, posteriormente, a Josip Broz Tito, a mão de ferro que unificou a antiga Iugoslávia. Cercada de 800 oliveiras e bosques de pinho, ela abriga oito suítes à beira mar, do outro lado da baía de Sveti Stefan, no continente. É uma pena deixar de hospedar-se no vilarejo, mas o lugar também é sensacional e tem a vantagem de estar pertinho da praia mais privê do hotel (que compartilhei com Naomi Campbell – veja no post passado) e do spa.
O spa
O spa foi a cereja do bolo do hotel, inaugurado em maio deste ano. Posso afirmar com toda a segurança que está entre os cinco mais belos e completos em que já estive, em 14 anos escrevendo sobre viagem. O colosso de 2 mil metros quadrados tem saunas e banhos turcos individuais, academia com máquinas de pilates, salão de beleza, terraços e solários intimistas, salas de tratamento que são verdadeiros apartamentos, studio de yoga, salas especiais para casais, salas de detox… A piscina semi-olímpica é um espelho negro embalado numa estrutura de madeira e vidro que se derrama ao exterior, onde “desagua” num belíssimo jardim… de frente para a praia. Nela, se refletem os belíssimos lustres que iluminam suavemente o ambiente. O terapeuta argentino (mas formado em Taiwan) Alejandro conversou comigo por pelo menos 15 minutos, e me deu explicações certeiríssimas sobre as agruras do meu esqueleto. Então, com muito conhecimento de causa, aplicou uma massagem poderosa, com várias técnicas combinadas, que varreu do mapa todas as minhas tensões pré férias. Os tratamentos começam em € 75 e são um investimento altamente recompensador.
O que você precisa saber
Para chegar até ali, o aeroporto mais próximo é o de Podgorica, capital de Montenegro, que recebe voos vindos das principais cidades europeias. Para quem vem de Dubrovnik, na Croácia, são duas horas de carro (€ 120 de táxi). A parte do hotel instalada no vilarejo abre de maio a outubro, os meses de calor. As suítes da Vila Milocer funcionam o ano todo. As diárias começam em € 950.