Reclamar da “lei seca”, beber e dirigir, o Sirena de Maresias e outros absurdos brasileiros
Peço licença para fugir do tema Achados neste post. É que não estou me agüentando. Tenho lido nos jornais brasileiros e escutado dos amigos a chiadeira geral por causa da “lei seca” (que proíbe consumo de bebida alcoólica por condutores de veículos, segundo a qual os infratores deverão pagar uma multa de R$ 955, perderão carteira de motorista por 12 meses e podem até acabar em cana).
Numa matéria publicada na revista da Folha (que um sujeito colou neste blog), por exemplo, o empresário Helton Altman, dono dos meus bares preferidos em São Paulo (Filial, Genésio e Genial), soltou a seguinte pérola:
“Não temos praia. São Paulo é noite. Ou melhor, era. Não pode fumar, não pode fazer barulho, por causa do Psiu, e agora também não pode beber”, diz. “A noite está muito triste.”
Estou européia demais? O Helton estava bêbado quando disse isso? Ou o Brasil é mesmo uma piada?
Como assim “não pode mais beber”? Beber e dirigir é algo tão normal no Brasil que proibir uma coisa (dirigir bêbado) significa automaticamente proibir a outra (simplesmente beber)? Socorro!
O argumento de quem anda reclamando da “lei seca” é o de que o novo limite de proporção de álcool no sangue, que agora não deixa passar nem um chopp, é exagerado. Sim, pode até ser. Mas, cá entre nós, nem a Madre Tereza de Calcutá saía pra tomar só um ou dois chopps (que era o limite anterior) antes da lei engrossar. O que a galera reclamona quer mesmo é poder continuar enchendo a lata e dirigindo como se isso fosse a coisa mais normal do mundo. Até então, pouquíssima gente parava pra pensar antes de assumir a direção na volta de um almoço regado a vinho, de um happy hour e até de uma balada homérica regada a muuuuuita bebida, E, maconha e até lança perfume. É ou não é?
Eu mesma já dirigi em condições deploráveis. Mas tinha 23 anos e muita merda na cabeça quando vim morar em Barcelona. E aqui mudei totalmente o chip. Quase ninguém cogita dirigir bêbado por aqui. E quem o faz, muitas vezes acaba mal. Todos os meus amigos que cometiam a insânia de voltar de carro da balada por aqui tiveram problemas com a polícia. Uma amiga, inclusive, saiu toda gatinha de uma festa e acabou passando a noite no xilindró.
Ok, na Europa é muito mais fácil arranjar um transporte coletivo decente para substituir o carro. E também não existe a paranóia com a segurança. Mas há várias alternativas antes de simplesmente deixar de sair. Pega um táxi, reveza o volante com os amigos, liga para a sua mãe, combina o chopp mais perto de casa, arrasta uma amiga grávida para a festa, se vira! O que não dá é para manter essas estatísticas tenebrosas de acidentes de trânsito.
Não seria a hora dos empresários da noite se mancarem e aguçarem um pouquinho a sua preocupação social? Um dos casos que mais me deixa revoltada é o da disco Sirena, em Maresias.
Há quase 15 anos, o Sirena reina absoluto no litoral norte de São Paulo e é, seguramente, uma das melhores e mais famosas baladas no Brasil, alem de não fazer feio pra club nenhum de Ibiza. Justamente por isso, é capaz de fazer despencar em Maresias baladeiros vindos desde o Guarujá até Ilhabela. Ou seja, muita, muitíssima gente pega mais de 150 quilômetros de estrada só para passar a noite no Sirena. E tem até quem faça bate-e-volta de São Paulo.
Terminada a balada, o Sirena despeja na Rio-Santos milhares de pessoas que mal são capazes de andar em linha reta. E muito menos de coordenar os reflexos numa estrada perigosíssima, cheia de curvas, com pista única e, em muitos trechos (principalmente para quem sobe para o centro de São Sebastião), repleta de buracos. Todos os freqüentadores assíduos do litoral norte conhecem alguém que já se deu mal voltando da balada em Maresias. Eu, pessoalmente, conheço duas pessoas que perderam a vida.
Custava o grupo de sócios do Sirena, que enchem o rabo de dinheiro cobrando preços altíssimos pela entrada e pela bebida, terem um mínimo de sensibilidade? Seria tão difícil assim colocar alguns “Sirena Bus” subindo e descendo da Boracéia a São Sebastião, parando de praia em praia, por um precinho camarada? Se bobear, dava até pra ganhar mais uns trocados.
Há alguns anos, a La Terrrazza, a melhor balada de Barcelona, teve um problema com os vizinhos que reclamavam do barulho e foi obrigada a fechar. Durante alguns meses, a festa foi transferida para um lugar alucinante, a Cala Morisca, a cerca de 40 minutos da cidade. Para chegar lá, pegava-se um ônibus da própria La Terrrazza na frente da Estacion de Francia. A balada já começava dentro do ônibus, fantástico.
O after Souvenir, um dos mais punks de Barcelona, faz a mesma coisa. Como é óbvio que 99% das pessoas que decidem ir a um afterhours às 10 da manhã estão sob o efeito de alguma (s) substância (s) que altera o juízo, o Souvenir tem um ônibus próprio que sai da frente de algumas boates da cidade.
Os donos do Sirena, que se gabam de ser tão atualizados e antenados em tudo o que rola na Europa, bem que poderiam acordar para a vida.