Pé na jaca e pesadelo em Bangcoc
Foto: Khao San Road, o templo da perdição dos gringos bobalhões
De volta a Bangcoc após um mês e meio de bem bom pelas praias do sul da Tailândia, o táxi cruzou aquela louca metrópole e parou por engano a alguns quarteirões do meu hotel. E não é que naquele bar dos arredores da Khao San Road (o gueto gringo), sentada de vestidinho indiano recém adquirido, estava a comadre blogueira Rachel Verano? A alegria do encontro foi tanta que acabei cometendo um erro grave: Vupt! Arranquei a famosa pochete de documentos da cintura, a meti dentro da bolsa e comecei a festa mais cedo do que devia.
Algumas doses de Sangsom (o demoníaco rum tailandês que certamente é muito mais apropriado para motoristas de jamanta do que para menininhas criadas com vó) mais tarde, já de volta ao hotel, reparei que, além de um chinelo (!), faltava algo mais: minha bolsa, com os meus dois passaportes (o brasileiro e o lituano), carteira de motorista, um cartão de crédito, um cartão de débito, uma câmera, certificado internacional de vacina contra febre amarela, carteirinhas de mergulhadora e alguns trocados.
Calma, porque a coisa piora…
Pouquíssimas horas depois, sob os devastadores efeitos colaterais do Sangsom, comecei a peregrinação. Nenhum anjo havia devolvido meu passaporte na delegacia. Então fiz um b.o. (após chorar alguns minutos nos ombros de uma canadense desconhecida que me ajudou a imprimir os documentos que tinha – graças a deus — digitalizado) e peguei um táxi para a embaixada brasileira na solidária companhia do meu namorado. Com a pororoca do rio Amazonas dentro do estômago e o cérebro rodando dentro da cachola, me embrenhei no trânsito de Bangcoc sob um calor grudento e arrebatador.
Calma, porque a coisa piora…
Vendo a minha coloração verde musgo, o prestativo motorista deve ter achado que eu estava desnutrida. E me passou um saquinho dizendo: “experimente, está muito bom”. Sem coragem de desapontá-lo, segurei com as mãos tremulas um pedaço daquela banana frita com gergelim e o empurrei para dentro do meu aparelho digestivo com o que me restava de saliva. A invasão alienígena fez com que a pororoca virasse tsunami. E uma vez na frente da embaixada, fui obrigada a desfazer-me da banana ao longo da passarela que cruzava uma das avenidas mais movimentadas da capital tailandesa.
Calma, porque a coisa piora…
Fui prontamente atendida pelo pessoal da embaixada e tive a palavra do embaixador, simpaticíssimo, de que em caráter de urgência teria o meu passaporte novo em tempo de embarcar no meu vôo para o Camboja (caríssimo!) no dia seguinte. No entanto, ao consultar o sistema do Itamaraty, a secretária da embaixada (a senhora Raimunda, super prestativa) descobriu que havia um misterioso registro de um suposto passaporte emitido no meu nome com data posterior ao que eu tinha em mãos até o dia anterior. E que, portanto, o meu passaporte perdido não era mais válido. Nesse momento, pensei: agora sim o pesadelo começou.
Calma, porque a coisa piora…
Depois de uma rápida espera, o ministro-conselheiro Matias Vilhena, chefe do setor consular da embaixada de Bangoc, veio ao meu encontro.
Diante da situação e do fuso horário em relação ao Brasil, seria impossível obter uma resposta definitiva do Itamaraty naquele dia. Eu iria, portanto, perder o meu vôo e desencontrar dos amigos com quem tinha planejado a viagem (incluindo a comadre Rachel Verano). Vendo o desespero estampado no meu rosto, o ministro deu a sua palavra de que faria das tripas coração para que o processo rolasse o mais rapidamente possível. Acima de tudo, me acalmou e me confortou, dizendo que estava ali com a única missão de ajudar e que a última coisa que pretendia era que eu entrasse num daqueles pesadelos burocráticos sem fim. Em meio ao pânico, conseguiu até arrancar alguns sorriso da minha cara amassada e chorosa. Ainda assim, fui embora para o hotel com milhões de interrogações e incertezas na cabeça: e se meu passaporte tiver sido clonado? E se eu não conseguir provar que sou eu? E se ficar presa na Tailândia?
E como num passe de mágica…
À noite, agarrada num fiapo de esperança, resolvi voltar pela terceira vez no bar onde tudo havia acontecido, mesmo após duas respostas negativas do staff e sabendo que, no caos da Khao San Road, eu era apenas mais uma gringa bobalhona engrossando as estatísticas de roubos a turistas distraídos. E não é que, toda amassada, minha bolsa estava ali ao lado do caixa??? Sim, uma boa alma (talvez um ladrão arrependido) tinha devolvido os pedaços de papel mais importantes da minha vida. Apenas a câmera não estava lá.
Senti a maior sensação de alivio da minha vida.
No dia seguinte cedíssimo, a caminho do aeroporto, tive mais uma demonstração da eficiência da embaixada. Antes mesmo da hora em que tinha pensado em ligar para dar as devidas explicações, Dona Raimunda me ligou para avisar que, após um tremendo empenho do dr. Matias, o Itamaraty tinha autorizado a emissão de um novo passaporte e que eu poderia ir para lá imediatamente. Então contei que tinha solucionado o problema. E ela se comprometeu a devolver o dinheiro da emissão do novo passaporte através de uma transferência internacional. No meio de todo esse drama, tive a oportunidade de, pela primeira vez, testar os serviços de uma embaixada brasileira e deu gosto de ser brasileira, viu?