Paella na Espanha: 10 lições antes de comer
Você sabia que jantar paella é coisa de gringo? E que a receita original leva frango e coelho?
Comer uma paella costuma ser a “obrigação” gastronômica número um de quem viaja para a Espanha. Parece simples, mas não é. Eis o que você precisa ter em conta antes de cair matando:
1. Lição número um: diga “paêia” ao invés de “paeja”
Para nós, brasileiros, o jeito argentino de falar espanhol costuma ser o primeiro a entrar em nossos ouvidos. Para os hermanos, “ll” soa como o “j”. Segundo essa lógica fonética, eles dizem “paeja” – e suponho que venha daí a mania que os brasileiros têm de falar dessa forma. Na Espanha, onde “ll” tem um som parecido com “lh”, ou com um “i”, a palavra paella é pronunciada como “paêia” ou, vá lá, “paelha”.
2. Nem todo espanhol come/faz paella
A Espanha é um baita mosaico de culturas e cada região tem a sua própria culinária. A paella é, definitivamente, o prato mais emblemático da cozinha espanhola como um todo. Mas a receita foi inventada em Valência – região que tem o prado como seu grande estandarte gastronômico – e é consumida principalmente na costa do Mediterrâneo. Em Madri, ainda que não seja muito usual, há um pouco de tudo o que o país tem de melhor, inclusive bons restaurantes especializados em arroz. Já em regiões como Astúrias, País Basco e Cantábria, no norte, você até pode encontrar um lugar que sirva, mas será algo tão típico quanto moqueca em Blumenau.
3. Tem que ser a especialidade da casa
Quando o prato é apenas um detalhe de um cardápio que tem outros 700 itens, desconfie. As melhores paellas são feitas em restaurantes especializados em receitas à base de arroz.
4. Nem todo prato de arroz é paella
E por falar em pratos à base de arroz, nem ouse confundir um “arroz” com uma “paella”. Um arroz negro NÃO é uma paella de tinta de lula. E um arroz caldoso NÃO é uma paella com mais molho. As diferenças técnicas entre uma coisa e outra rendem um tratado. Vai ficar para a próxima.
5. A autêntica não é a que você quer
As discussões sobre a autêntica receita da paella valenciana são infinitas e eternas. Mas, em geral, é aquela que leva frango, coelho, vagem e outras verduras. O prato com o qual você está sonhando muito provavelmente é outro: uma paella de marisco, com mexilhão, camarão, lagostim, peixe, lula, caranguejo e outras delícias do mar (às vezes, também é chamada de paella marinera).
6. Coma, de preferência, no almoço
Para um valenciano, comer paella no jantar é uma heresia. E boa parte dos bons restaurantes especializados abrem apenas durante o dia. Ainda que em Barcelona e outros cantos a regra não seja tão radical, pedir o prato à noite é coisa de “guiri” (turista). Eu ignoro este dogma com frequência, mas entendo a sua razão de ser. Guardadas as devidas proporções, a paella é como a feijoada: aquele prato que pede muitas horas de digestão até que todas as suas funções vitais voltem ao normal (além de arroz e frutos do mar, contêm um oceano de azeite de oliva). Ou seja, cai melhor no almoço do fim de semana, com uma siesta na sequência.
7. Combina com verão
Por mais que seja um prato bombástico, a paella é comida de verão. Cena típica: um restaurante pé na areia com uma turma de amigos feliz celebrando as férias e o calor. Se houvesse um estudo sobre o tema, provavelmente comprovaria que o consumo de paellas é 300% mais alto entre junho e setembro.
8. Não é para comer sozinho
Nada pessoal contra viajantes solitários. Mas fazer paella dá um trabalho monstruoso e, mesmo nos restaurantes especializados, costuma demorar mais do que os outros pratos. Por isso, é quase impossível encontrar paellas individuais (o mínimo costuma ser duas pessoas). A exceção são as hediondas versões fast food vendidas nos piores restaurantes do país, geralmente anunciadas em cartazes com fotos. Fuja!
9. Não precisa ser tão laranja assim
O açafrão, um dos responsáveis pela cor amarelada da paella, é o ingrediente mais caro do mundo (quando é bom). Nas receitas finas, que usam o produto de qualidade, esse toque é dado com sutileza e não chega a deixar o prato radicalmente laranja. Um arroz colorido demais pode significar a presença de corante. Diga-se de passagem, minha paella favorita não é alaranjada.
10. O queimadinho do fundo é maravilhoso
Certa vez, escrevi sobre a minha paella favorita para um blog de gastronomia e um leitor comentou me espinafrando, dizendo ter detestado. Um de seus argumentos é que o arroz estava um pouco torrado no fundo. Céus! Esse queimadinho é justamente o socarrat, um toque que é uma verdadeira arte e que, quando bem feito, acrescenta uma consistência crocante ao conjunto.