Aprendi a comer bem de verdade na Espanha. De todas as portas gastronômicas abertas nesses 20 anos ibéricos, a mais complexa, rica e variada foi para o encantado mundo dos frutos do mar. Nisso os espanhóis dão de mil a zero em nós, para dizer o mínimo. Culpa de vários fatores climáticos e do nosso Atlântico, com seu fundo parecido a um “deserto” de areia, pobre em corais e outras formações que abrigam esses adoráveis bichinhos.
Intimidar-se diante de tantos animalitos estranhos nas marisquerias espanholas (principalmente na região da Galícia, um dos melhores lugares do mundo para comer frutos do mar) é normal. Mas vale a pena vencer o medo e cair de boca. Aqui, uma lista do “best of” das mesas marineras daqui, para você não ficar lost in translation.
Almeja (aquela da foto ali em cima):
Minha favorita, néctar dos néctares. Deusa do mar, com perdão de yemanjá. A concha é clarinha (entre o bege e o cinza) e arredondada. Por dentro, a carne é alva e firme. Geralmente se come a la plancha (na chapa) com azeite, salsinha (perejil) e alho. Não tem sabor forte de mar e é simpática ao paladar iniciante. Também fica excelente com molhos mais complexos (no País Basco se faz com um molho de alcachofras de matar de bom) e ao natural, apenas cozida ao vapor.
Tallarina:
A concha é clarinha, bem pequena, triangular e chata. Também tem um gosto relativamente suave, como o da almeja. Mas é bem menor e, por isso, menos suculenta. Tem as mesmas formas de cozinhar que a da almeja, a la plancha com alho e salsinha, ou dentro de algum molho mais espesso (fica ótima com molho de tomate para espaguete).
Berberecho:
Aqui já começamos a entrar no nível avançado. A concha é arredondada e áspera, mais escura que a da almeja, puxando para o marrom. Tem forte gosto de mar (delícia!) e dizem que cura ressaca (há quem jogue uns berberechos no fundo do blody mary para levantar defunto). Em geral, come-se “a la plancha” (com a boa e velha dupla alho e salsinha) ou ao vapor.
Vieira:
Sabe aquela concha de Santiago de Compostela? É uma vieira, algo super típico da Galícia. Cara e rara, a vieira é pedida por unidade nos restaurantes e geralmente é servida com algum molho. Há quem coma ao natural (eu prefiro) e até crua. A carne é consistente e suave — ao meu paladar, tem mais sabor a peixe do que a marisco. Fácil de gostar.
Zamburiña:
Difícil de encontrar fora da Galícia. Nada mais é que uma vieira pequena (e um pouco mais barata).
Percebe
O esquisito entre os esquisitos, parece um dedo preto com uma unha de bruxa. Para comer (come-se simplesmente fervido) é preciso tirar a casquinha que tampa o “dedo” no lado oposto da unha e chupar o bicho para fora. Raro e caríssimo (um pouco menos caro na Galícia), é um dos produtos mais nobres da mesa espanhola. O sabor? Impossível de descrever. Nada de gosto de mar, um pouco adocicado e perfumado. É provar para crer.
Navaja
O nome, que quer dizer navalha em espanhol, revela tudo sobre o jeitão desse outro ilustre esquisito. A concha parece uma lâmina. É minha segunda favorita, depois da almeja e se come exclusivamente a la plancha. O truque para comer é tirar a partezinha preta do bicho, que costuma ser bem arenosa, e mandar ver. Nham!
Bueno, e isso porque só estou falando de conchas. Por aqui ainda há cigalas, gambas, buey de mar, nécora, centolla, angula, bogavante…
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