Acabei de constatar algo assustador: faz quase 20 anos que “mochilei” a Europa pela primeira vez. Tinha 21 aninhos recém-feitos e era uma felicíssima estudante de jornalismo da PUC de São Paulo. Foi, sem dúvida, a viagem mais importante da minha vida: a primeira grande empreitada sozinha (ainda que tenha encontrado alguns amigos pelo caminho) e quando decidi que moraria em Barcelona – o que aconteceu três anos mais tarde. De lá pra cá, a forma de viajar pela Europa mudou radicalmente:
Raiz: carteirinha de albergue. Nutella: perfil no AirBnb/CouchSurfing etc…
Nos anos 1990, hospedagem barata era sinônimo de albergue filiado à rede Hosteling International. E, para que as diárias fossem ainda mais acessíveis, era preciso ter a “carteira internacional de alberguista”. Esse sistema ainda existe, mas… alguém que nasceu depois de 1990 já ouviu falar disso? Hoje em dia dá pra dormir no sofá de uma boa alma sem pagar nada com o CouchSurfing, alugar um quarto baratinho pelo AirBnb, entre muitas outras opções. Um perfil nesses sites é a nova carteirinha.
Raiz: albergue belichão. Nutella: hostels de design
Os albergues também mudaram radicalmente. Ao invés de quartos cheios de beliche, no estilo colégio interno mal assombrado, os hostels mais bacanas de hoje em dia oferecem espaços coloridos e bem sacados, mais privacidade (quartos individuais ou recursos para transformar a cama em uma espécie de cabine), serviços adicionais (café da manhã, wi-fi, toalha), bares badaladinhos e muito mais. Ufa!
Raiz: passe de trem. Nutella: voos low cost
Tão fundamental quanto a carteirinha de alberguista era ter o Eurail Pass em mãos – o famoso passe que permite fazer várias viagens de trem em um determinado período. O sistema ainda existe, claro. Mas fazer uma viagem longa de trem atrás da outra ficou obsoleto depois que as companhias aéreas low cost invadiram a Europa. Hoje em dia, viajar de trem noturno pinga-pinga, com cama na cabine, é algo que vale mais pela experiência (acho uó, mas tem gente que gosta) ou, talvez, pra quem tem fobia de voar ou de andar de trem bala.
Raiz: reserva de hotel na estação de trem. Nutella: aplicativos mil para reservar online
Parece de outro século. E é mesmo. Funcionava assim. Você descia do trem e ia direto para o escritório de informações turísticas da estação, que quase sempre fazia reserva de hotel/albergue. Dizia quanto queria gastar e um cidadão se punha a fazer chamadas telefônicas (lembra disso?) até achar um lugar. Daí você pagava uma parte na hora e ia em busca da sua nova cama – sem ler a opinião de 10 milhões de usuários! – com um mapa de papel em mãos. Hoje em dia, bastam alguns apps e alguns cliques.
Raiz: Europa cheia. Nutella: Europa absurdamente lotada
Nos anos 90, as pessoas viajavam muito menos. Mais de 1,3 bilhão de chineses viviam isolados do mundo, assim como toda a Europa Oriental, mantida atrás da cortina de ferro. Países populosos como a Índia, a Indonésia e o Brasil ainda não tinham vivido um boom econômico que permitisse que milhões de pessoas tivessem acesso a passagens internacionais. Por essas e outras, o número de turistas era absurdamente menor. Sente o drama. Em 1997, quando mochilei pela primeira vez, Barcelona recebeu pouco mais de 2 milhões de turistas em hotéis. Em 2016, esse número chegou a 9 milhões (sem contar os 2,7 milhões de cruzeiristas!).
Raiz: improvisar. Nutella: planejar
O item acima permitia o improviso (e isso é o que me deixa mais nostálgica dos velhos tempos). Mesmo no auge do verão, quase não era preciso reservar hotéis e passagens com antecedência. Não havia fila nem na porta da Sagrada Família, em Barcelona, nem na porta da Galleria degli Uffizzi, em Florença – e ainda nem era possível comprar entradas pela internet (inter… que?), recurso sem o qual é absolutamente inviável viajar na alta temporada por aqui. Hoje em dia, chegar sem reserva de hotel/albergue em qualquer lugar da Europa durante o verão é quase impensável. E as passagens devem ser reservadas com meses de antecedência para a estação.
Raiz: faz coleção de moedas. Nutella: só trabalha com euro
É como se o euro sempre tivesse existido. Mas ele nasceu em 2002! Até então, a Itália tinha liras, a Espanha tinha pesetas, a Grécia tinha drakmas, a Alemanha tinha marcos… E, a cada fronteira, era preciso recalcular os valores e trocar dinheiro. Dava um trabalhão, mas a gente voltava para casa feliz da vida com a coleção de moedas.
Raiz:traveller checks. Nutella: cartões
Ah, e por falar em dinheiro, a bola da vez nos anos 1990 era o traveller check. Millennials, eu explico: isso era uma espécie de cheque, emitida pela American Express e outras bandeiras, que você trocava por dinheiro. A gente saía do Brasil com alguns travellers em dólar, e podia trocá-los por qualquer moeda europeia. Cada cheque tinha um numerinho, que a gente quase tatuava na pele, porque se perdesse o papel, dava para cancelar o cheque e obter o dinheiro de volta. Verdade seja dita: nenhuma máquina engolia os traveller checks, que também não davam pitis segundo o caixa eletrônico ou problemas no chip.
Raiz: manda carta. Nutella: manda e-mail
Dos amigos e amores que a gente fazia pela viagem, a gente anotava o ENDEREÇO POSTAL e o telefone. E depois se comunicava por carta (clique aqui para saber o que é) e, quem sabe, um telefonema ao ano, no Natal – porque a chamada telefônica internacional era caríssima e ainda não existia Whatsapp, mesmo porque telefone celular e internet ainda era uma coisa meio Blade Runner.
Raiz: mochilão “tubo”. Nutella: mochilas inteligentes
Só eu sei o que sofri com aquele mochilão que parecia um tubo gigante. Para tirar o chinelo que estava láááá no fundo, era preciso desafazer a mala inteira. Não existia, pelo menos no Brasil, modelos mais espertos, com zíper que permitem separar o volume em dois gomos. E muito menos mochilões com rodinhas incorporadas (que eu não troco por nada nessa vida), para você poder descansar os ombros quando o chão liso permite.
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