Imagem Blog Achados Adriana Setti escolheu uma ilha no Mediterrâneo como porto seguro, simplificou sua vida para ficar mais “portátil” e está sempre pronta para passar vários meses viajando. Aqui, ela relata suas descobertas e roubadas
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Guerra ao turismo de massa em Barcelona?

Ataques contra hotéis são a consequência mais injustificável de um fato: os barceloneses estão cansados do excesso de visitantes

Por Adriana Setti
Atualizado em 15 Maio 2017, 18h38 - Publicado em 12 Maio 2017, 08h40

O jornal catalão La Vanguardia divulgou esta manhã imagens que mostram um grupo de meia centena de pessoas invadindo o hotel Catalonia Magdalenes, em pleno Bairro Gótico de Barcelona (clique aqui para ver). Segundo a reportagem, o incidente teria acontecido no feriado de 1º de maio. Vestidos de palhaços, os supostos “ativistas” passaram uns 30 segundos no lobby e quebraram móveis e janelas de vidro com martelos. No sábado passado, algo parecido voltou a acontecer no bairro do Poblenou, quando manifestantes que participavam de um protesto contra o turismo de massa arremessaram tinta e ovos contra a fachada de três hotéis do bairro. Ninguém ficou ferido. Mas os jornais já começam a falar de “turismofobia”.

Esses são atos isolados e os turistas não devem temer por sua integridade física ao vir a Barcelona. Por outro lado, os incidentes parecem ser a consequência mais radical e injustificável de algo inegável: o barcelonês está começando a se sentir deslocado dentro de sua própria casa e há muita gente disposta a tudo para reverter a situação. Em 2016, a metrópole de 1,6 milhão de habitantes recebeu cerca de 30 milhões de turistas (incluindo os que se hospedam, cruzeiristas e outros tipos de visitantes de passagem), batendo um recorde histórico que vem tirando o sono da prefeita Ada Colau, a primeira a propor tratar da questão da massificação no plano de gestão.

Segundo uma pesquisa realizada pela prefeitura de Barcelona no ano passado com 6 mil cidadãos, o turismo é o segundo problema mais grave da cidade depois do desemprego. Ou seja, tem bastante gente preocupada com isso.

Já estou até vendo os comentários no Facebook dizendo que isso é puro mimimi – aliás, podemos parar de confundir questionamento com mimimi? Então vamos lá. É óbvio que o turismo é uma fonte de renda fundamental para a cidade e que milhares de pessoas vivem dessa indústria por aqui. Mas o que aflige o morador de Barcelona é a perda do equilíbrio entre esse benefício financeiro e a sua qualidade de vida, algo fundamental e arraigado à cultura local.

Do ponto de vista estritamente capitalista, pode ser difícil de entender. Mas é nesse “saber viver”, minha gente, que reside boa parte do magnetismo da cidade.

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O Mercado de la Boquería, que limitou o acesso de grupos em alguns horários (Pixabay/Reprodução)
O Park Güell, que anos atrás passou a cobrar entrada e limitar o número de visitantes (Pixabay/Reprodução)

Como o excesso de turismo reduz a qualidade de vida? A resposta é bem ampla. Mas a consequência mais nefasta é o aumento brutal do preço dos alugueis – um dos assuntos do momento por aqui. Um apezinho de dois quartos em um edifício sem elevador localizado em um bairro central seria alugado por €600 há cinco anos. Hoje em dia, é difícil encontrar por menos de €1000. E o salário da maioria costuma sendo o mesmo de sempre: na faixa de €1000 ao mês. As contas simplesmente não fecham para a classe média. Praticamente todos os meus amigos que se mudaram nos últimos anos tiveram que ir para bairros mais distantes e menos legais. Se o dono do meu apê não fosse um senhor de alma socialista, eu certamente seria expulsa do Eixample, onde vivo. É a famosa gentrificação, a uma velocidade de dar vertigem.

A explicação é óbvia: lei da oferta e da procura. Uma vez que milhares de pessoas estão alugando imóveis para turistas ilegalmente, sobra menos lugar para viver de fato. Bairros inteiros estão sendo esvaziados de moradores com uma rapidez assustadora. Na Barceloneta, uma das áreas mais afetadas pelo excesso de apartamentos turísticos, há escolas vazias. Uma amiga que mora a poucos quarteirões da minha casa é a única inquilina “fixa” do seu edifício. Os exemplos são incontáveis.

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Com isso, Barcelona corre o risco de converter-se em parque temático, perdendo calor humano, caráter e encanto. Entre a falta de identidade e a quantidade assustadora de gente que entope os bairros mais turísticos, a cidade acaba ficando menos legal até para os visitantes. Ou seja, o excesso é ruim para os dois lados.

Desde que assumiu o cargo, em 2015, a prefeita Ada Colau vem tentando atacar de frente essa questão, sem grandes progressos. Licenças de novos hotéis e apartamentos turísticos foram congeladas em grande parte da cidade. Também houve um aumento na fiscalização do aluguel de apartamentos ilegais – e tudo indica que os dias do AirBnb, plataforma contra a qual a prefeitura está em guerra, podem estar contados por aqui. De início, também falou-se em limitar o número de cruzeiros que atracam no porto (a medida mais eficiente e urgente, ao meu ver, já que é o tipo de turismo que menos rende benefícios à cidade). Mas há muitos meses não se fala mais nisso. A questão é delicada e complexa. Não há solução fácil ou rápida.

O verão vem aí. E a gente continua torcendo para que Barcelona não se afogue em seu próprio sucesso.

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