Imagem Blog Achados Adriana Setti escolheu uma ilha no Mediterrâneo como porto seguro, simplificou sua vida para ficar mais “portátil” e está sempre pronta para passar vários meses viajando. Aqui, ela relata suas descobertas e roubadas
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Celular no museu: precisamos pensar sobre isso

Os smartphones podem ser uma ferramenta fantástica dentro de um museu. Ou não.

Por Adriana Setti
Atualizado em 21 abr 2018, 16h52 - Publicado em 19 abr 2018, 11h31
Qual foi a ultima vez que alguém se deu o trabalho de olhar para a Mona Lisa? (Foundry/Pixabay)
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O celular pode ser uma ferramenta poderosa e fascinante dentro de um museu. Na Casa Batlló de Barcelona, por exemplo, um app funciona como um guia com recursos de realidade aumentada que, entre outras coisas, permite enxergar como a casa foi decorada no passado em 3D. E muitos outros centros culturais estão aproveitando essa maquininha de possibilidades infinitas para potencializar a experiência do visitante das formas mais criativas. Definitivamente, foi-se o tempo que um mapinha indecifrável de papel era tudo o que jogava a seu favor dentro do Louvre ou do Prado.

Mesmo sem contar com recursos específicos, qualquer um que visite um museu com um smartphone na mão pode aproveitá-lo para saber mais sobre um artista ou para registrar um ou outro detalhe interessante e compartilhá-los com os amigos. Em um mundo perfeito, estaria tudo bem. Mas não é bem assim.

Uma pesquisa publicada pelo MoMA de Nova York cinco anos atrás mostrava que 74% dos visitantes usavam o celular dentro do museu. Chutaria que este número hoje já ultrapassa 90%. E não é preciso de base científica para afirmar que uma grande parte de toda essa gente não utiliza o aparelho de forma produtiva e/ou civilizada.

Um tempo atrás, escrevi um texto comparando a experiência de ficar em uma ilha no Pacífico com internet liberada e outra sem conexão. O link para o resultado deste experimento científico está abaixo. Em minha última viagem, passei boa parte do tempo dentro de museus refletindo sobre a diferença entre os lugares que remam contra a maré proibindo o uso de celulares e os que, muito pelo contrário, o estimulam fornecendo wi-fi grátis.

Meu lado racional afirma que proibir não é o caminho e, com fé na humanidade, acredita que estamos vivendo apenas uma fase “criança com o brinquedo novo” e que, com o tempo, aprenderemos a usar nossos smartphones de uma forma menos doentia. Porém, o fato é que visitar os museus que proíbem fotos em seus interiores, hoje em dia, é quase uma viagem transcendental: um encontro com o ser humano vivendo o presente e prestando atenção em algo inspirador feito por outros seres humanos. Como antigamente. Dá uma calma…

Já no Belvedere de Viena, tive que aguardar pelo menos 20 minutos para que um numeroso grupo de turistas tirassem, um a um, uma selfie na frente de O Beijo, de Klimt. A cada clique com cabecinha inclinada pro lado e dedinho em riste fazendo paz e amor, o abominável monstro do ódio bélico crescia dentro de mim. Mas, até ali, eu apenas estava diante de um caso de falta de educação. O mais intrigante veio a seguir. Terminada a seção de selfies, eles passaram a registrar o quadro sofregamente, como se precisassem consumir aquilo, engolir, tomar posse. Pior: foi estarrecedor constatar que quase ninguém se deu o trabalho de contemplar a obra mais importante do cara que revolucionou a arte na Áustria com um mínimo de atenção e carinho.

Depois disso, a cena que vi logo na entrada fez todo sentido. Uma turminha de crianças fofas estava tendo uma aula dentro do museu. Cada um com seu caderninho, desenhando. Pura ternura. Só que, ao redor delas, professoras em atitude alerta tratavam de posicionar da forma mais clara possível placas que diziam que era proibido fotografar os pequenos. Sem aquilo, a compulsão por registrar sem questionar certamente engoliria a privacidade daquelas crianças como se elas fossem uma obra a mais.

O sociólogo alemão Walter Benjamin (1892-1940), que passou parte de sua valiosa existência refletindo sobre a “aura” da Obra de Arte na Era de sua Reprodutibilidade Técnica (ensaio publicado em 1936, terror de qualquer aluno de semiótica), precisaria reencarnar três vezes para entender o que essa gente faz com esses quaquilhões de conteúdo-lixo produzido voraz e alucinadamente em uma pós-era da reprodutibilidade técnica, na qual qualquer um pode ter acesso à imagem de um quadro com um simples clic. Onde vai parar tudo isso? Para quem? Por quê?

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Explicar tal comportamento está fora do meu alcance. Mas me darei por satisfeita se esse texto lhe provocar um segundo de reflexão. Ao sentir um impulso por tirar o celular do bolso para povoar o ciberespaço com fantasmas de Monas Lisas, pense em formas mais inteligentes de usar o aparelhinho (sem atrapalhar quem estiver ao seu redor) e, acima de tudo, esteja presente. Aliás, qual terá sido a última vez que alguém se interessou por enxergar a @monalisareal?

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