Achados

Adriana Setti escolheu uma ilha no Mediterrâneo como porto seguro, simplificou sua vida para ficar mais “portátil” e está sempre pronta para passar vários meses viajando. Aqui, ela relata suas descobertas e roubadas
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Adriana Setti X babuínos: um relato tragicômico na África do Sul

Um episódio que acabou bem, mas que poderia ter tido consequências bem mais sérias. Leia para aprender com o erro da nossa colunista

Por Adriana Setti
Atualizado em 9 jan 2024, 15h53 - Publicado em 25 jan 2016, 12h01

Todo sul-africano já viveu um episódio envolvendo um babuíno. Na primeira vez em que estive no país, dois anos atrás, disse a uma amiga local que meu sonho era ver um desses primatas de perto. Ela morreu de rir. Afinal de contas, por aqui as pessoas costumam almejar NÃO cruzar o caminho de um macaco desse tipo. Na segunda-feira passada, chegou a minha vez de adicionar uma anedota babuínica à minha biografia.

Este  antropoide cercopitecídeo do gênero Papio não é um macaquinho fofo. De acordo com as placas espalhadas por inúmeros pontos da península onde a Cidade do Cabo está localizada (e por vários outros lugares da África), trata-se de um “animal selvagem e perigoso que é atraído por comida”. Isso significa, portando, que não convém fazer um piquenique ao relento nas áreas mais críticas, geralmente sinalizadas.

Veja bem, no vídeo abaixo um babuíno tem o requinte de sacanagem de fazer xixi em cima de um leão!

A região mais problemática é o parque nacional do Cabo da Boa Esperança, onde a macacada está tão à vonts que aprendeu a pescar e passou a se alimentar também de peixes e camarões, uma verdadeira nouvelle cuisine babuínica, já que o normal é que o bicho se contente com frutas e insetos.

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As placas avisam que não se deve circular com comida ao ar livre (a não ser nas áreas demarcadas para piquenique) e muito menos abocanhar um quitute na presença confirmada de um babuíno. Mas eis que dois homo sapiens famintos e destemidos encontram uma praia paradisíaca e deserta. Sem pensar duas vezes, descemos do carro e saltitamos duna abaixo munidos de nossa lancheirinha.

A praia espetacular e deserta do parque nacional do Cabo da Boa Esperança, perfeita para um piquenique só que nãoA praia espetacular e deserta do parque nacional do Cabo da Boa Esperança, perfeita para um piquenique só que não

Mal tinha afundado o pé na areia fofa, já escutei um grunhido. Olhei para trás e, no topo da duna, distingui a silhueta de uns 15 babuínos. GLUP. Num flash mental, lembrei de um folheto informativo que recomendava não dar as costas para o bicho e se afastar lentamente. Foi o que fizemos e eles acabaram passando batido — com exceção de um, adulto e parrudo, que sentou confortavelmente na duna e ficou nos observando de longe.

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Lentamente, fomos andando até a beira do mar (não sei porque a gente achou que a água afugentaria o macaco). O bicho continuou lá, tranquilão, a uns 300 metros de distância. Achamos que tinha ficado tudo em paz e, tolinhos, abrimos a lancheira, da qual emanou um doce e intenso aroma de abacaxi. “Amor, vou lá pegar uma pedra só pra garantir”, disse num momento iluminado, enquanto maridão tratava de besuntar um pedaço de cenoura no humus.  Quando o tubérculo ainda estava pela metade, dei uma olhada de canto de olho e vi o primata galopando em linha reta em nossa direção, decidido. “Amooor, ele tá vindooo, abandona a comida aí e vamos emboooraaa”. A resposta veio como um urro: “ESSE MACACO NÃO VAI COMER A MINHA COMIDAAAA!!!!!”.  Pasma diante da constatação que os instintos mais primitivos haviam aflorado também do lado de cá, ergui a pedra sobre a cabeça como uma Mulher-de-Neanderthal e me preparei para enfrentar o inimigo na defesa de nosso alimento.

Maridão correu com a lancheira. Mas acabamos deixando para trás as nossas bolsas. Erro. Uma vez que estávamos de posse do alimento, o primata entrou no modo “a gente não quer só comida”. E, delicadamente, abriu o zíper da bolsa do Cássio com a pontinha dos dedos e começou a procurar algo interessante, exatamente como uma pessoa curiosa faria. Já não muito homo sapiens, maridão disparou em direção ao babuíno urrando como um gorila, disposto a estrangulá-lo em nome de seus pertences. O primata nem se mexeu.

Foi neste momento que acordei do transe e, também tomada por ímpetos cavernícolas, arremessei a pedra com toda a minha força em direção ao macaco, que finalmente se convenceu que a gente era mais louco do que ele. Maridão ainda conseguiu recuperar nossa arma pré-histórica e, diante de uma nova investida, o bicho finalmente largou a bolsa. Pegamos as nossas coisas e fomos avançando em direção ao carro (a essas alturas a recomendação de não dar as costas e não correr já havia ido por água abaixo).

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Sorrateiramente, o macacão nos seguiu à certa distância. Ao abrirmos o carro, não sei direito como, mas em um milésimo de segundo o bicho simplesmente se materializou lá dentro. Então batemos a porta e ficamos observando o animal enlouquecido no minúsculo Hyundai i10, com todas as nossas coisas ao alcance: câmera, comida, bolsas, carteira etc. Em um certo momento ele me olhou, abriu a boca e colocou aqueles dentões de fora. Meda.

Abre parênteses. Você assistiu A Profecia? Uma das cenas mais aterrorizantes é o ataque dos babuínos ao menino-anticristo numa espécie de parque de safári. No making-of, eles contam como fizeram para deixar a gangue de macacos tão (realmente) raivosa: pegaram um e prenderam no carro.

Ao ver o bicho enclausurado, fui tomada por aquele tipo de pânico nonsense. Comecei a simplesmente a gargalhar, enquanto Cássio batia no vidro e gritava “saaaaaai”, como se o primata fosse falar “ok, cansei”, abrir a porta e ir embora pedindo desculpas. Foi então que um surfista local que estava no estacionamento deu um grito “OPEN THE DOOR AND LET IT RUN!!!!” (ABRE A PORTA E DEIXA ELE FUGIR!”). Abri o porta-malas e o bicho saltou pra fora como um raio, levando na boca dois cremes de aloe ferox (uma planta medicinal milagrosa da África) que tínhamos acabado de comprar. Eu respirei aliviada por alguns segundos, até notar que o Cássio tinha disparado a correr atrás do macaco. Oh-my-god. Por sorte, nesse momento apareceu um guarda florestal, além de mais dois surfistas grandalhões, e todos começaram a urrar e correr em direção ao bicho – comecei a gargalhar de novo. Por fim, ele largou os cremes pelo caminho e fugiu. Nos trancamos no carro e finalmente comemos nossos sanduíches.

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AGORA FALANDO SÉRIO

A história acabou bem. Mas nós fomos absolutamente irresponsáveis e corremos um risco sério. Um babuíno em fúria pode machucar muito uma pessoa – ou coisa pior. Não gosto nem de pensar no que teria acontecido se todos aqueles 15 do início da história tivessem investido contra nós. Mas que fique bem claro: visitar os lugares habitados por esses macacos não é uma atividade perigosa, desde que você realmente siga as recomendações e não carregue alimentos com você ao ar livre. Também convém evitar circular com bolsas de plástico, que os animais associam imediatamente a alimentos (ele pegou os cremes de Aloe Ferox de uma bolsa de plástico justamente por isso), e trancar o carro, uma vez que os babuínos já aprenderam a abrir portas.

Eles são os donos da praia (foto: iStock)Eles são os donos da praia (foto: iStock)
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