A incrível história do bicho geográfico que deu a volta ao mundo
Rodolfo, o sujeito aí da foto (confortavelmente instalado nas minhas costas), nasceu na Malásia. Era um ensolarado dia de fevereiro nas Ilhas Perhentian e eu decidi fazer uma trilha – só de biquíni e sem repelente. Acabei me perdendo e invadindo um território que, a julgar pelo aspecto saudável das milhares de aranhas que havia por lá, tinha a maior densidade pernilongográfica de todo o Sudeste Asiático. Não sou alérgica a mosquitos. Mas 45 picadas em dez centímetros quadrados de pele às vezes causam reações inesperadas.
Muitos dias de coceira depois, todas as bolotas se foram. Exceto uma. E como coçava essa desgraçada. Uma semana se passou. E a bolota ali, firme. Mais uns dias, e ela começou a se transformar num alienígena. Nas Perhentian não há farmácia. Nem médico. E nem bruxo curandeiro. Então fiz o que estava ao meu alcance, tasquei Tiger Balm na bichinha, uma gosminha que tem cheiro de Vicky Vaporube que, diz a lenda, faz picada de inseto parar de coçar.
Voei para Kuala Lumpur, capital da Malásia. E, de lá, para Bali, na Indonésia. E lá se foi Rodolfo, alegre e feliz (para demonstrá-lo, ele coçava mais do nunca) em sua primeira viagem internacional.
Hummm, a bolota resolveu expelir de líquidos viscosos. Ah, sua desgraçada, impetigo de novo, né? (impetigo é uma pereba, que eu também já tive, causada por uma bactéria que infecta uma feridinha ou, muito comum, uma picada de inseto que você coçou freneticamente).
Entro na primeira farmácia que vejo em Bali.
– English?
– No.
– Mosquito, bzzzzzzzzzz, nhac, fricfricfric (isso quer dizer “cocei pra cacete”), blargh.
– Ah! Galan lang karan pun tang impetigang!
– Siiiim, impetigang!!!! Estou salva! Estou salva!
E dá-lhe pomada no desgraçado do Rodolfo. E não é que ele gostou? Ficou ainda maior, mais cheio de vida e exuberante. A coceira começou a me deixar maluca. 24 horas por dia, elaborava teorias mirabolantes levantando hipóteses sobre o que, afinal, era aquele diabo de pereba. Meu namorado quase enlouqueceu.
Enquanto ainda dava uma chance para a pomada para impetigang, procurei esquecer o assunto. Foi quando fiz uma terrível descoberta. NÃAAAAAAAAAO, Rodolfo ganhou um irmãozinho!!!! Lá estava outra bolota, bela e formosa, no lado oposto das minhas costas. Pronto, impetigo é uma ova. Não tinha picada nenhuma desse lado. Devo estar com uma terrível doença tropical contagiosa. E com certeza o próximo membro da família nascerá na minha testa.
Passada a histeria, olhei Rodolfo bem nos olhos com a ajuda do primeiro espelho que cruzou o meu caminho depois de quase um mês (nosso bangalô nas Perhentian não tinha esse luxo). Rodolfo finalmente entregou o jogo. A bolota tinha criado uma perninha, que parecia um caminho. Ah, seu sem vergonha! Então você é um bicho geográfico???? Como era mesmo o nome daquela pomada? Thiabena! Isso!
Com certeza não existe Thiabena na Indonésia, mas explicando os sintomas… Volto na farmácia.
– Dog, psssssss (fazendo xixi), sand, sand, beach, nhoin nhoin (imito uma larva com o dedo tentando entrar na minha pele).
A mulher da farmácia ficou pasma. “Coitada, a menina acha que tem um cachorro e uma cobra embaixo da pele”, deve ter pensando ela. Não tive escolha, e “fui” ao médico. Isto é, um sujeito de branco que ficava de plantão na farmácia para “receitar” remédios. O equivalente na medicina ao advogado de porta de cadeia.
– Minha filha, isso aqui é herpes!
– Como assim, herpes? Nas costas??? Mas, moço, não dói! Só coça. E soltou uma perninha, olha aí. Fora que tem um irmãozinho. Não é aquele bicho que sai do cachorro e blablablabla.
– Não, querida, o cachorro não tem nada a ver com isso. Você está com herpes nas costas.
Três dias de pomada para herpes mais tarde, Rodolfo ganhou mais um irmãozinho, que nasceu na outra extremidade do tal caminhozinho. Dias depois, mais um caminho apareceu. ÓOOOOOOBVIO QUE ERA BICHO GEOGRÁFICO. Só aquele médico de porta de farmácia não via!
Então resolvi fazer um ensaio fotográfico de Rodolfo. E lá foi ele, via web, parar do outro lado do mundo: Tupaciguara. As fotos foram enviadas para meu querido tio Edu, médico respeitadíssimo no interior de Minas (que obviamente já tinha visto trilhões de Rodolfos nessa vida). Batata, o tio Edu disse que meu amigo era uma larva migrans, uma micro minhoquinha que, ao não conseguir penetrar nas camadas mais profundas da epiderme, como faz no cachorro, fica vagando pelo corpo humano provocando uma coceira insuportável. Mas em Bali não existe Thiabena.
Rodolfo voou comigo para Cingapura. De lá, para Paris. E finalmente aterrissou em Barcelona, onde comemorou três meses de vida.
Ufaaaaaa! Civilização! Farmácia!
– No me digas? Que no hay Thiabena o nada parecido con eso aquí? Pero sabes aquello que pasa cuando el perro hace pipi en la arena y blábláblá… No? Vale, gracias.
Tolinha, eu. Bicho geográfico é coisa de pobre! Você acha que europeu tem essas coisas? Fora que o Rodolfo, que nasceu lá nas Perhentian, não sobreviveria nem meia hora naquela areia nojenta da Barceloneta.
As notícias sobre Rodolfo chegaram a Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul. Meu sogro, Ivan, solidário com o meu sofrimento, comprou duas caixinhas de Thiabena e mandou pelo correio.
Ai meus deus, mas vai demorar 15 dias! Tenho dois especiais da VT para fazer e só consigo pensar em esfregar as costas no sofá para aliviar essa maldita coceira!
Vou ao médico. Que olha para Rodolfo com cara de nojo e diz:
– Não sei o que é. Temos que fazer uma biópsia.
– Bom, faz entonces. Qualquer coisa. Só quero me livrar dessa coceira.
O médico arrancou uma fatia das minhas costas. E levou o irmão mais novo de Rodolfo para um laboratório, dentro de um vidrinho.
– Vale, doctor, pero mientras no sabes lo que es, me puedes recetar algo para larva migrans? Mi tio de Tupaciguara dijo que está seguro de que es el animal geográfico. No? En serio?
Tenho vontade de chorar. A biópsia demorava 15 dias.
A essas alturas, Rodolfo e eu éramos amigos íntimos. Tínhamos compartilhado grandes momentos. Mas a convivência estava cada vez mais turbulenta. Rodolfo manchava minhas roupas. Eu me vingava deixando a unha crescer para atacá-lo.
Foi então que aquela caixinha amarela do Sedex chegou até mim. Aleluia! Espalhei Thiabena furiosamente na família de Rodolfo.
Em junho de 2008, aos quatro meses de vida, Rodolfo morreu.
PS: Comadre Rachel Verano, inclua Thiabena na sua farmacinha básica para dar a volta ao mundo. Ou algum primo distante de Rodolfo pegará carona com você lá na Mongólia.