Na medida em que os filhos vão crescendo, fica mais desafiador achar programas que agradem aos dois, fora dos habituais cinema, teatro e circo. Quando eu pesquisei o Sítio do Carroção, vi umas imagens lindas, mas vi também “aventuras com monitores” e “monitores” reduz bastante as minhas chances de sucesso com as crianças. Isso porque 1) eu tenho uma filha adolescente que definitivamente não curte monitores e 2) um filho pequeno que costuma preferir a irmã aos monitores. A relação deles com recreadores e afins nunca deu muito certo, nem naqueles hotéis em que a propaganda mostra pais e mães na piscina bebendo tranquilos seus drinks com guarda-chuvinhas, enquanto as crianças brincam o dia todo e são entregues exaustas no final do dia. Não, isso nunca aconteceu na minha vida.
Portanto, passar um domingo frio no Sítio do Carroção cheio de monitores tinha tudo pra dar errado. Mas a gente foi. Me enchi de coragem e acordei a Nina e o João cedinho, seguindo rumo a Tatuí, que fica a uns 150 quilômetros de São Paulo. Lá existe a opção do day use vip, onde você pode planejar o seu dia a bordo de um carrinho de golf, escolhendo as atividades que prefere e tem monitores só pra você. Mas nós optamos pelo day use comum, em que você faz o passeio com outras famílias e outras crianças. Naquele dia, participamos de um grupo com 17 adultos e 14 crianças de dois a doze anos.
Chegando lá, antes mesmo de cruzar o portão do Carroção, vimos uns animaizinhos brancos ao longe no terreno verdíssimo. Seriam lhamas? A Nina, que ama uma lhama (rima inevitável), já ficou um pouco mais animada. Quem resgata os day users do lado de fora, a bordo de uma motinho, é justamente um dos monitores que acompanhará a turma o dia todo, que no caso foi o simpático e espirituoso Fernandinho. Rezei pra nossa senhora protetora dos monitores mandar muita luz e persistência pra esse moço.
O lugar é muito grande, muito verde e muito lindo. As construções têm estilo colonial e não há absolutamente nada fora do lugar ou em reforma, o que sempre me causa estranheza. Eles deviam deixar um pouco de mato crescido ou alguma escada encostada pra gente não se sentir no filme O Show de Truman. Pra nossa alegria, rolou um café da manhã delícia com muitas gordices antes de qualquer conversa. O roteiro do dia é apresentado em uma arquibancada e há um animado animador (é redundante, eu sei) que faz a narração empolgada num microfone. Muito bom para todos terminarem de acordar. Um menino falou ao meu lado: “calma, moço, eu acordei forçado”. Nós também, amiguinho.
O pacote do day use inclui cinco aventuras. Vamos à primeira: diz a lenda que um avião com alguns paleontólogos em busca de fósseis fez um pouso forçado há uns 60 anos perto dali. A missão número um da aventura Elo Perdido é achar o avião e a missão número dois é localizar os fósseis procurados pelos paleontólogos. Era preciso seguir uma trilha rumo ao norte e foi então que o monitor convidou o João para guiar a todos com uma bússola. Imaginem a alegria do guri! Um caminho lindo no meio da mata atlântica, passando por uma ponte que foi propositalmente destruída… e não é que há mesmo um enorme Douglas C3, um cargueiro da Segunda Guerra Mundial, suspenso em meio às árvores? Me caiu o queixo na hora e de todo mundo que estava ao redor!
A primeira parte da missão foi cumprida com sucesso. Mas ainda era preciso encontrar um mapa que levaria aos fósseis. As crianças são as protagonistas das histórias cheias de mistério. É muito gostoso ver os pequenos se esforçando para entender pistas, mapas e bússolas. O caminho leva para um morrinho de areia com algumas pás, onde as próprias crianças puderam fazer as escavações e concluir a missão dos paleontólogos desaparecidos. Nessa hora, o momento mais temido: “Nina, sobe lá naquele morro e tenta descobrir que parte do dinossauro nós desenterramos aqui”. Ninguém tem medo de avião e dinossauro quando se tem uma adolescente que não gosta de monitores recebendo orientação de monitores. Ela ficou vermelha, murchou os ombros e foi, junto com uma menina um pouco menor. “Sobe mais. Mais um pouco.” (Esse spoiler eu vou ter que dar, tirem as crianças da página). Quando as duas subiram no morro para olhar aquele osso de longe, descobriram a ossada inteirinha do tiranossauro rex do outro lado. A Nina deu de ombros, revirou aqueles lindos olhinhos e apontou de leve o dedo pro outro lado. A outra menina deu pulos e gritou de euforia e surpresa! “Vejam, queridos pais e mães, neste momento pedagógico o Carroção proporciona uma clara demonstração da diferença entre a infância e a adolescência. Na adolescência, as emoções ficam todas guardadas do lado de dentro.” O monitor não disse isso, nem eu, só pensei. Mas ele foi doce com a minha filha: “eu quase consegui um sorriso seu”. A Nina sobreviveu, apesar da vergonha, e entendeu que ela não conseguiria ficar invisível naquele dia, apesar do moletom GG.
A próxima aventura, Viagem do Beagle, leva o nome do diário de pesquisas que Charles Darwin escreveu a bordo do barco HMS Beagle durante os cinco anos em que estudou a evolução das espécies. Como Darwin em seus estudos, as crianças observaram lagartos e iguanas e, quando acharam que a brincadeira estava acabando, surge um homem das cavernas aos gritos do meio do mato. Alguns se assustaram, mas o João foi o primeiro a correr atrás daquele ser tão estranho. Foi um jeito bem criativo que o Carroção arrumou de mostrar como viviam, comiam e se comunicavam os nossos parentes de antigamente, e tudo isso com muito humor.
Àquela altura já tínhamos rido muito, cruzado pontes, feito trilhas, encontrado aviões perdidos, ossadas de dinossauro, homens das cavernas. É hora de almoçar! Espaguete, arroz, feijão, batata frita e um filé a parmegiana maravilhosos. Sucos, refrigerantes e, adivinhem, cervejinha gelada para os pais. De sobremesa, gelatina, sorvete, mousse de maracujá, paçoca, bala de coco e frutas. O Carroção devia colocar no cronograma uma horinha de siesta depois disso.
A única atração que eu sabia que existia e usei a meu favor com a Nina antes do passeio era o labirinto. A Nina curte labirintos desde quando assistiu ao filme do David Bowie e escolheu isso como tema de sua festa de cinco anos. Eu e o Fábio montamos um labirinto de papelão na entrada da casa e, até onde eu lembro, esse foi o único labirinto que ela entrou. Até esse dia, no Carroção. O desafio era ir até o centro do Labirinto Medieval e voltar sem se perder, o que é impossível e bem divertido. O João, por exemplo, nós perdemos logo no começo. O monitor tranquilizou a todos. “Se alguém desaparecer, em dois dias começamos a arremessar bisnaguinhas por trás dos muros”. Ufa!
Próxima brincadeira: Spazukamonaring, que tem esse nome difícil porque cada sílaba remete a uma famosa pista de Fórmula 1 no mundo. É um minicircuito com curvas radicais, subidas, descidas, túnel e até chuva e neblina. Tudo filmado para a equipe dos boxes poderem acompanhar enquanto espera. A Nina relutou um pouco e acabou se jogando na diversão, depois de alguma pressão dos monitores e do pai. Depois, acabou confessando que foi a parte mais legal do dia.
De lá, movemos nossas pernas bambas até o Bio Planeta, que começa num lindíssimo aquário. Como tudo no Sítio, o acesso é mágico: uma pequena fenda em uma pedra e um caminho meio escuro leva a um local onde parece que presos estamos nós e os imponentes peixes de água doce nos admiram com aqueles olhões esbugalhados. Depois, uma breve aula sobre os três elementos essenciais à vida: ar, água e luz solar, ainda que uma das crianças do grupo tivesse discordado e elegido wi-fi, Netflix e Nutella. Nesse momento, um pequeno bônus: de um baú trancado com um cadeado sai um bebê jacaré e o monitor permite que todos toquem no bichinho, que se manteve de boca aberta o tempo todo. Aprendemos que a força do jacaré está em fechar a boca e não em abrir, por isso em qualquer momento de perigo ele escancara aqueles dentões. Aprendemos também que o jacaré se alimenta apenas uma vez por ano, e fica bem com isso.
Enfim, partimos para a última aventura do dia: o Enigma da Pedra. Spoiler: foi incrível! Um pequenino esbanjou seus conhecimentos sobre estalactites, estalagmites e espeleólogos, “os caras que estudam cavernas”, disse. Foi aí que eu percebi que havia ali crianças que já tinham estado no Carroção muitas vezes e estavam tão empolgados quanto o João que estava vendo tudo isso pela primeira vez. No meio da mata, há uma pequena entrada para um longo caminho dentro de uma caverna. Chega-se ao fim da linha, onde há três pedras redondinhas presas nas paredes e outra enorme que aparenta ser uma passagem. As crianças arriscam: tem que empurrar uma pedra, mas qual? Só tem um jeito de saber. Empurra-se a primeira, e a caverna enche de água até o nosso joelho. Aí eu entendi por que orientam a vir com “tênis para molhar”. Molha mesmo, e recomendo levar uns chinelinhos para usar depois. Também recomendo carregar as toalhas na mochila, para não congelar na saída – os espertalhões aqui deixaram elas sequinhas no vestiário. Empurra-se a segunda pedra, e vem mais água. Uma meia dúzia de adultos tenta escalar as paredes inutilmente. Melhor relaxar e tampar o nariz. Terceira pedra e, tcharam, abre-se a passagem para uma caverna enorme com um lago azul e cachoeiras de água aquecida. Estalagmites e estalactites também, claro. Ah, e um tobogã! Eu não vou no tobogã, já anunciei antes de entrar, mas fui, várias vezes. O que a gente não faz pelos filhos?
A paisagem é surreal. Eu queria dar replay pra observar melhor a expressão do João e da Nina em alguns momentos, porque a verdade é que os adultos curtem e se impressionam tanto quanto as crianças e quase não olham pra elas. Os monitores avisaram logo no começo: “crianças, deixem os adultos se divertirem!”. Posso dizer a essa altura que tudo aquilo é meio mágico e me lembrou um pouco a Disney. Uma Disney pedagógica e lúdica onde os monitores fazem piadas que a gente entende. Naquele dia, havia outros 240 alunos participando de uma colônia de férias por lá, mas o espaço é tão grande que os enxergamos em apenas dois momentos e de longe. Eles participavam de um programa de quatro dias e aparentemente há atrações para cobrir esse tempo todo de estadia.
Pra fechar o dia, um café da tarde com mais frutas, bolos, croissants, sanduíches e, já que aqui não tem nenhum jacaré, a gente enche a barriga novamente. Os amigos do day use já estavam se despedindo quando eu lembrei do mistério da lhama. Ei, amigos, vocês têm lhamas? Sim, temos lhamas. Pronto, agora não vai ser possível esconder o sorriso, a Nina verá as lhamas. Numa gentileza sem fim, o Fernando, gerente do Carroção, nos levou para um tour onde os amados bichinhos pastam e cospem. Todas as emoções escondidas naquele dia de aventuras transbordaram e fechamos nossa passagem pelo Carroção de um jeito inesquecível, com pulinhos de alegria e lindos sorrisos da nossa doce adolescente.
Parece que o João não estava, né? Mas ele estava muito lá, 100 % dele, e foi o primeiro a se jogar no lago azul, abraçar o jacaré, cavoucar o osso de dinossauro. O meu olhar estava focado na Nina porque eu sabia que ele certamente se divertiria. No fim das contas, nós quatro nos divertimos, cada um ao seu modo, e o Carroção deixou lindas memórias naquele domingo frio.
Deixo aqui um agradecimento especial aos adoráveis Fernandinho, Eva e João, que usaram todos os seus recursos para conquistar a nossa adolescente, e conseguiram. Agradeço também ao Fernando, que nos levou para ver as lhamas. Saibam que a Nina já confessou aqui em casa que vocês são muito legais!
Serviço: Sítio do Carroção
Day use: R$ 599 por pesoa (crianças de 3 a 5 anos pagam metade) e inclui passeios, café da manhã, almoço e lanche da tarde; mais informações aqui.
Day use vip: família de 2 pessoas, R$ 1.600; 4 pessoas, R$2.800; mais informações aqui.
O Sítio do Carroção também é um tradicional acampamento de férias e destino de excursões escolares. Em 2022, passou a hospedar famílias e oferecer serviço de hotelaria; saiba mais aqui.
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