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Minas Gerais: passeio em fazenda é viagem na história do queijo do Serro

Tradição artesanal de 300 anos é passada de pai para filho na pequena cidade na Serra do Espinhaço

Por Rebeca de Ávila
Atualizado em 22 jul 2024, 08h38 - Publicado em 20 jul 2024, 10h00

Com seus casarões coloniais, suas igrejas barrocas e ruas de paralelepípedo, a pequena Serro, a 300 quilômetros de Belo Horizonte, foi a primeira cidade do Brasil a ser tombada pelo Iphan, em 1938. O destino no norte de Minas Gerais, em plena Serra do Espinhaço, faz parte do Caminho dos Diamantes da Estrada Real, a rota turística que segue o trajeto por onde o ouro e as pedras preciosas eram transportadas até os portos do Rio de Janeiro.

Serro se desenvolveu a partir da mineração no século XVIII, quando tinha grande importância política e econômica no Brasil colonial. A cidade tem um autêntico clima de interior e sua arquitetura oitocentista de pé até hoje faz com que andar pela cidade seja como viajar no tempo.

Os tempos de glória não duraram para sempre e o declínio do extrativismo impôs mudanças na economia. Hoje, a joia de Serro é outra: o tradicional queijo artesanal do Serro, cujo modo de fazer ganhou o título de patrimônio imaterial de Minas Gerais em 2002. Seis anos mais tarde, em 2008, foi a vez do Iphan reconhecê-lo e o queijo se tornar o primeiro patrimônio imaterial do Brasil.

Serro, Minas Gerais
A cidade de Serro foi tombada pelo Iphan antes mesmo de Ouro Preto (Isis Medeiros/Divulgação)

O queijeiro Jorge Brandão Simões e sua irmã, Maria Coeli Simões, foram quem começaram as movimentações para reconhecimento da iguaria como patrimônio imaterial mineiro. Maria é autora do livro Memória e Arte do Queijo do Serro: o Saber sobre a Mesa e elaborou um dossiê para fundamentar o processo. 

Há em torno de 800 produtores na região, de acordo com a Associação dos Produtores Artesanais de Queijo do Serro (Apaqs), e foi exatamente a fazenda da família Simões que eu visitei. 

Fazenda Engenho da Serra, Serro, Minas Gerais
O queijo é uma herança cultural enraizada no cotidiano da comunidade serrana (Rebeca de Ávila/Arquivo pessoal)
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Na Fazenda Engenho da Serra, o cenário do típico casarão de pau a pique com curral e gado pastando em nada se parece com uma indústria do queijo e é assim que a família deseja mantê-la. O rústico também faz parte da tradição que os Simões lutam para preservar. 

Fazenda Engenho da Serra, Serro, Minas Gerais
A centenária casa de pau a pique onde Jorge aprendeu a andar e ler (Rebeca de Ávila/Arquivo pessoal)

Jorge nos recebe em frente à centenária casa onde deu seus primeiros passos e aprendeu a fazer queijo com o pai. A visita é guiada de forma descontraída pelo queijeiro, que entre uma lembrança e outra, conta sobre a produção e não consegue conter sua paixão pela atividade. 

O queijo era um item de primeira necessidade na alimentação da família Simões, que sempre dava um jeitinho de incluir o queijo nas refeições: com café, na macarronada, com farofa, com banana, à milanesa… haja criatividade!

Fazenda Engenho da Serra, Serro, Minas Gerais
Os móveis do salão são feitos com pedra de moinho e madeira de cochos reaproveitada (Isis Medeiros/Divulgação)
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As receitas eram feitas no salão do queijo – termo reivindicado por Jorge em vez da industrial queijaria –, que foi construído na década de 1940. O queijeiro se lembra com carinho dos dias em que podia participar do preparo ainda criança, quando entendeu que fazer queijo era uma arte.

Os produtores defendem que o queijo do Serro não é apenas um alimento, mas sim um símbolo de tradição rural mineira que leva sabor e memória à mesa.

Hoje, o salão do queijo abriga um pequeno museu com antigos utensílios do ofício. Jorge caminha entre as gamelas e formas de madeira, baldes, cochos e bancos fazendo uma cronologia da produção.

Fazenda Engenho da Serra, Serro, Minas Gerais
Jorge explica que a produção do queijo incorpora técnicas portuguesas há mais de 300 anos (Rebeca de Ávila/Arquivo pessoal)

Apesar de meus avós serem mineiros, somos fluentes apenas no idioma do queijo da Canastra, que tem um sabor e modo de preparo diferentes, então o queijo do Serro foi uma novidade para mim. Ambos são feitos com leite cru, sal e coalho, mas os do Serro são mais firmes e têm menos tempo de cura, por isso, são menos ácidos e mais branquinhos. 

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A receita é uma só, mas os segredos de cada produtor e as características geográficas das fazendas garantem uma identidade única para cada queijo do Serro. A produção na região é famosa pela adição do “pingo”, um fermento natural que vem do leite, é coletado durante a própria fabricação, em vez de fermentos artificiais.

Esse lactobacilo é típico de altas altitudes, como na Fazenda Engenho da Serra, cercada por montanhas a 850 metros do nível do mar. Daí a especificidade do sabor dos queijos do Serro

Fazenda Engenho da Serra, Serro, Minas Gerais
O “pingo” é extraído da fabricação de outro queijo durante a noite e coletado em um balde (Rebeca de Ávila/Arquivo pessoal)

Jorge produz dez queijos por dia e gasta em torno de oito litros de leite por peça, que deve maturar ao menos 17 dias. Quanto mais o tempo passa, mais amarelo por fora o queijo do Serro fica, mas ao ser cortado, continua revelando a cor branca. O preço do quilo na fazenda varia entre R$ 30 e R$ 60, de acordo com o estágio de maturação.

Fazenda Engenho da Serra, Serro, Minas Gerais
Na Fazenda Engenho da Serra, a única parte mecânica da produção é a ordenha das vacas (Rebeca de Ávila/Divulgação)
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O passeio terminou com um lanche da tarde ao melhor estilo mineiro, com muito café, bolachinhas, biscoitos de polvilho, e claro, o queijo do Serro – depois de tanto ouvir sobre o preparo, eu não via a hora de experimentar.

Ao cortar, o queijo desliza na faca e já dá para perceber como ele é macio e úmido. Na boca, o sabor é suave e cremoso. Se você não mastigar, ele dissolve na boca. Uma perdição!

Fazenda Engenho da Serra, Serro, Minas Gerais
O café da tarde passa longe dos ultraprocessados (Isis Medeiros/Divulgação)

Serviço

Serro fica a 227 km ao norte de Belo Horizonte pela estrada MG-010. Para chegar na Fazenda Engenho da Serra, é preciso acessar a pista que contorna a cidade de Serro, entrar na primeira direita após um viaduto e seguir por 15 quilômetros em estrada de terra. A visita guiada dura em torno de duas horas. Para fazer o passeio e saborear o café colonial, é preciso agendamento prévio pelo telefone (38) 99968-0666. O valor é R$ 80, mas o preço pode ser menor para grandes grupos.

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