Afuá (Pará): na “Veneza de Marajó”, carros são proibidos
Cidade paraense proibiu veículos a motor desde 2002, gerando uma cultura própria de adaptação de bicicletas para todos os usos – do táxi à ambulância

“Veneza marajoara” e “Copenhague da Amazônia” são alguns dos apelidos que tornaram Afuá conhecida. Construída sobre palafitas, a cidade de quase 40 mil habitantes no lado noroeste da Ilha de Marajó se diferencia de outros lugares da região pela peculiaridade dos transportes: desde 2002, automóveis e motocicletas são proibidos nas ruas do município – quem deseja se deslocar mais rapidamente, deve fazê-lo de bicicleta.
A regra fez com que a cidade ganhasse fama internacional e a população local inventasse maneiras de incrementar o transporte sobre pedais: Afuá também se gaba de ser o berço do “bicitáxi”, uma adaptação semelhante a um triciclo que permite o transporte de mais pessoas e mercadorias de um lado para o outro. Além de atrair olhos (e visitantes) curiosos, o oásis ciclístico marajoara também converteu a localidade em um estudo de caso em transporte sustentável.
@elzivanefigueiredo_
Uma cidade em palafitas
Boa parte de Afuá fica sobre palafitas, uma maneira de garantir a permanência das edificações mesmo durante as cheias do rio Amazonas. A consequência do modelo é que, em várias áreas do município, as “ruas” conectando as casas não passam de estreitas passagens de madeira.
O planejamento urbano sui generis já tornava difícil utilizar um carro por ali, mas, até os anos 1990, as motocicletas ainda eram uma opção. Conforme a população foi crescendo, porém, ficou claro para as autoridades locais que seria preciso uma medida mais drástica: as ruas não aguentariam por muito mais tempo o desgaste causado pelo peso e tração dos veículos motorizados – além dos riscos à vida da população, que já se locomovia de bicicleta ou a pé.

Apesar de radical, a lei acabou “pegando” em Afuá. E, com o advento das redes sociais, essa cidade – que fica a 320 km de Belém, e a 85 km de Macapá – ficou famosa pela divulgação de seu estilo de vida feita por moradores e pelos eventuais visitantes que passam por ali.
Mesmo no contexto marajoara, a experiência é diferenciada das cidades vizinhas, garantindo um atrativo a mais para quem desembarca lá. “Desembarca” literalmente, pois o principal meio de locomoção para outras cidades continua sendo o barco, e quem desce é recebido por uma fila de bicitáxis pronto para levar ao seu destino dentro de Afuá.
Bicitáxi e bicilância
A regra de só usar bicicletas gerou invenções criativas ao longo dos mais de 20 anos desde que Afuá baniu os carros. Os bicitáxis, por exemplo, costumam ter pelo menos três rodas e banquinhos traseiros capazes de levar no mínimo dois adultos sentados – dependendo da improvisação, até mais.
@felipetiagoi Hoje vou te mostrar um meio de trabalho aqui em afuá, assim que eu trabalhava.❤️#felipetiagoi
Até os serviços essenciais entraram na onda, como é o caso do Corpo de Bombeiros: os atendimentos emergenciais também são feitos com a “bicilância”, um veículo de quatro rodas e com direção, mas movido a pedais e com espaço para carregar uma maca.
No entanto, o grande destaque da criatividade afuaense são as bicicletas particulares incrementadas, por vezes tão adaptadas que sequer lembram uma magrela. Investindo valores que não raro ultrapassam os R$ 10 mil, os entusiastas colocam luzes de led, caixas de som (devidamente equipadas com baterias), direção, e até constroem chassis em metal ou madeira emulando um automóvel de verdade para percorrer as ruas de Afuá – tudo, é claro, sem deixar o pedal de lado.
Para se hospedar, o simplérrimo Hotel Afuá tem atendimento muito elogiado.