Franciacorta: a região dos melhores espumantes da Itália
Conheça a região, que fica a poucas horas de Milão
Os vinhedos brotaram como um coelho que sai da cartola num momento em que já começava a duvidar de que algo bucólico pudesse emergir daquela paisagem. Partindo de Milão, a autopista A-4 corta uma das regiões mais industrializadas da Itália. Galpões e chaminés dominaram o panorama por cerca de 50 minutos até que, sem aviso prévio, eu estava num platô com vista para o Lago D’Iseo, na região da Brescia – cercada cachos de chardonnay, pinot noire, pinot blanc…
Menos famoso que os outros lagos nos arredores de Milão, Garda e Como, o D’Iseo é uma baita surpresa a meros 20 minutos do aeroporto de Bergamo (um dos maiores hubs low-cost da Europa Central, que recebe voos das principais cidades do Velho Mundo). Tendo os Alpes de pano de fundo, ele tem uma respeitável ilha em seu interior, Monte Isola, que abriga um vilarejo fofíssimo. A paisagem per se já se encarregaria de fazer a sua viagem valer. Mas ela acaba sendo mera coadjuvante diante do fato de que na região são produzidos os melhores vinhos espumantes da Itália, com o selo da DOCG (denominação de origem controlada garantida) Franciacorta.
Se você está feliz com o seu prosecco, é melhor apertar os cintos e preparar-se para decolar. Franciacorta é a única região da Itália (e uma das pouquíssimas do mundo) a utilizar o minucioso método champenoise (ou método clássico), a mágica por trás do champanhe. Do ponto de vista técnico, isso quer dizer que além da primeira fermentação em tonéis de inox ou em barrica, o vinho passa por uma segunda e complexa fermentação em garrafa, seguida de uma temporada de envelhecimento de pelo menos 18 meses. O resultado é uma bebida elegante, de bolhas finas e acidez suave. Para leigos: é uma resposta italiana à altura da gloriosa bebida francesa, boa de doer.
Apesar da tradição vinicultora da região vir de longa data, Franciacorta começou a produzir espumante com método champenoise em 1961. Só que a DOCG tal como funciona hoje, regida por normas ultra estritas, foi fundada em 1995. Para os parâmetros do universo do vinho, trata-se de um bebê. Se você nunca ouviu o nome Franciacorta antes, é bom aguçar a audição. A altíssima qualidade da bebida vem chamando a atenção dos críticos e dos apreciadores da boa vida. Do alto de meu modesto conhecimento enológico, posso afirmar que foi uma das grandes surpresas que tive nos últimos tempos em termos de vinho.
Os vinhedos formam uma espécie de anfiteatro ao redor da parte sul do lago D’Iseo, como um pequeno oásis verde em meio a uma área densamente industrializada. O ponto mais estratégico de toda a região para curtir o visual é sob o arco que emoldura a paisagem na Bellavista – justíssimo nome – uma das 108 vinícolas do pequeno e notável território que funciona sob as asas da DOCG Franciacorta. Se tiver que escolher apenas uma pra visitar, eis uma grande aposta. Foi lá, ao lado de uma desconcertante escultura de ferro com figuras nuas (veja que maravilha na foto abaixo), que recebemos as explicações básicas, sob um sol quentinho de outono. A vinícola foi fundada em 1977 como um hobby do construtor Vittorio Morretti (que nos cumprimentou pessoalmente a bordo de sua Ferrari matadora no momento em que chegávamos à sua propriedade). Com os anos, a coisa ficou séria, seriíssima. Hoje em dia, seu enólogo de plantão é ninguém menos que Mattia Vezzola, um dos enólogos mais respeitados da Itália (premiado como o enólogo do ano em 2014).
O lindo jardim pontilhado de esculturas que cerca a vinícola e a impressionante coleção de carros do senhor Moretti (que ficam expostos numa garagem-vitrine) vêm de bônus com a visita, que culmina numa sala de degustação superelegante. Mas um dos pontos altos da visita é ver ao vivo como funciona o processo de remuage manual. Mais do que uma simples técnica, a prática é um ato de amor. As garrafas são colocadas em cavaletes de madeira e, todo santo dia ao longo de várias semanas, devem ser giradas a um ângulo preciso, para que os sedimentos criados pela segunda fermentação sejam encaminhados para o gargalo e, mais tarde, retirados. Vale a pena conferir, para depois comparar com vinícolas que fazem o processo automaticamente, como é o caso da Contadi Castaldi, que produz vinhos de ótima qualidade, um pouco mais acessíveis que os Bellavista. Ali, a degustação é feita num salão com uma linda vista da região. No próximo post, vou falar sobre hotéis e restaurantes da região.
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