Imagem Blog Achados Adriana Setti escolheu uma ilha no Mediterrâneo como porto seguro, simplificou sua vida para ficar mais “portátil” e está sempre pronta para passar vários meses viajando. Aqui, ela relata suas descobertas e roubadas
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Como é fazer um cruzeiro pelo Danúbio com o SS Maria Theresa

Uma viagem a bordo de um palácio imperial em forma de navio

Por Adriana Setti
Atualizado em 5 set 2020, 19h44 - Publicado em 16 ago 2018, 15h44

Menos não é mais no interior do SS Maria Theresa, cuja décor é inspirada no lifestyle de fausto adotado pela Casa de Habsburgo. Tendo a gigantesca imagem da imperatriz que lhe dá nome em sua comissão de frente, a recepção do navio da companhia Uniworld é adornada por uma escadaria dupla e coroada por um portentoso lustre de cristal veneziano. Forrados de móveis que parecem ter saído do Palácio de Schönbrunn, seus salões ostentam espelhos, texturas aveludadas, balcões de mármore e uma profusão de detalhes em dourado. Tamanha opulência barroca – bem como a torneira em forma de cisne do lavabo – soaria a delírio em qualquer outro lugar que não fosse uma residência imperial de Viena. Mas faz sentido em um cruzeiro pelo rio Danúbio, principal artéria do Império Austro-Húngaro.

Não é todo dia que o sujeito acorda com a Ponte das Correntes de Budapeste passando a poucos metros da janela. E não é sempre que se tem a oportunidade de ver os vinhedos do vale de Wachau do aconchego de uma cama – com direito a cabeceira aveludada e dossel. Ainda que seja bem compacta (algo comum nos cruzeiros fluviais), a cabine com varanda (de parede de vidro que pode ser aberta) é extremamente aconchegante, assim como o banheiro de mármore. A minha acomodação (categoria 1) ainda tinha um bom armário de três portas e TV que surge de um “espelho, espelho meu” de conto de fadas.

Minha cabine com varandinha e jeito de cenário de conto de fadas (Uniworld/Divulgação)
Profusão de espelhos e detalhes barrocos: inspiração no lifestyle opulento dos Habsburgo (Uniworld/Divulgação)
O lounge principal. Porque menos não é mais. Em absoluto. (Uniworld/Divulgação)
Torneira em forma de cisne: seria um delírio se não fosse aqui, no Danúbio (Adriana Setti/Arquivo pessoal)

O que faz valer o seu dinheiro

Com 135 metros de comprimento, o SS Maria Theresa foi lançado em 2015 e tem 64 quartos e 11 suítes. Sua capacidade máxima é de 150 passageiros, atendidos por 57 tripulantes – a maior proporção staff/hóspedes da indústria de cruzeiros fluviais. E isso faz toda a diferença na viagem. Majoritariamente vindos de países do Leste Europeu (principalmente Sérvia, Montenegro, Romênia e Hungria), o staff é um afiadíssimo exército sorridente que, em um par de dias, já chamava cada viajante pelo nome. “Você não é apenas um número”, disse o passageiro australiano Mark W., resumindo com precisão o espírito da coisa.

Ao fazer amizade com a americana Kena S., que tinha sérias alergias alimentares, observei como, a cada refeição, o maître discutia com ela qual seria o seu menu especial, sempre trazendo surpresinhas fora de carta compatíveis com as suas restrições. Os atrasadinhos que chegavam ao restaurante após o horário de fechamento eram recebidos (e alimentados) com tolerância e cortesia. Aos que não gostavam de nenhum item do generoso cardábio, sempre era oferecido um plano B. Na volta dos passeios nos dias mais frios, éramos recebidos com bebidas quentes. E presentinhos surgiam no quarto a cada noite: de chuva de bombons Valrhona a creminho Hermès, passando por chá inglês em uma latinha estampada com o (meu) signo de gêmeos.

Chá quente na volta de um passeio congelante. Como não amar? (Adriana Setti/Arquivo pessoal)
Ígor, o sommelier, empenhadíssimo em manter os copos sempre cheios (Adriana Setti/Arquivo pessoal)

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Vida a bordo

O clima intimista também surte efeito na relação entre os hóspedes. De modo geral, a experiência no navio envolve muita interação, tanto facilitada pelos passeios em grupo como pelo posicionamento das mesas no restaurante e no lounge. No fim da viagem, a sensação era a de estar em uma grande festa onde todo mundo mais ou menos se conhece. Sendo a única viajante solo do navio, fui constantemente adotada por diversos grupos de amigos de meia idade, casais maduros e afins. Aproveitei muito essa interação e conheci pessoas incríveis. Mas penso que hóspedes menos dispostos a se enturmar possam sentir-se incomodados. Mesas individuais para possibilitar intimidade a essas pessoas não seria má ideia no restaurante.

Isso porque é fato: você passará muito tempo comendo, principalmente à noite, quando o jantar é servido em três etapas, com pelo menos três opções para cada uma delas. Planejando a viagem, cheguei a selecionar alguns restaurantes que gostaria de conhecer pelo caminho. Não fui a nenhum deles. Extremamente bem cuidada, a gastronomia a bordo é um dos pontos altos. A cada porto, testemunhei o navio sendo abastecido com ingredientes e vinhos locais – explicados em detalhe por Igor, o sommelier de Montenegro, que empenhava-se seriamente em manter o meu copo cheio. E isso se refletia em receitas frescas e regionais, quase sempre bem sucedidas. O café da manhã era um espetáculo à parte, com menu a la carte além do bufê quilométrico. O único porém eram os peixes, mariscos e afins, congelados e sem sabor – o que, de todas formas, é compreensível em uma rota distante do mar.

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Hora do aperitivo (Adriana Setti/Arquivo pessoal)
Fiz questão de comer eggs benedict (perfeitos) TODO dia, ok? (Adriana Setti/Arquivo pessoal)

As noitadas em geral começavam com um longo aperitivo no Maria Theresa Lounge (cuja decoração é de enfartar almas minimalistas), onde a simpaticíssima gerente explicava os passeios do dia seguinte. O lugar também era usado durante a tarde para algumas palestras interessantes – participei de uma delas, sobre a vida dos judeus em Viena antes da Segunda Guerra. Depois do jantar, os mais animados ainda esticavam no Leopard Bar, intimista, com uma piscina anexa separada por um vidro que “embaça” automaticamente quando alguém entra. Algumas noites foram embaladas por músicos locais e, em uma delas, rolou até um famigerado “trenzinho”.

A viagem

Viajei neste universo paralelo chamado SS Maria Theresa entre 18 e 25 de março de 2018. O embarque aconteceu em Passau, uma linda cidadezinha da Baviera, a 180 quilômetros de Munique (onde fica o aeroporto internacional estratégico para quem pretende fazer esse roteiro). Do porto alemão, o navio seguiu para Linz, Melk, Dürnstein (a joia da coroa do esplêndido vale de Wachau) e Viena, na Áustria; fez uma parada em Bratislava, capital da Eslováquia, e jogou a âncora em Budapeste. Tanto na capital austríaca como na húngara, ficamos atracados duas noites. Quem quiser esticar o roteiro, ainda pode incluir no pacote dias extras em Munique ou Budapeste, com hospedagem em hotel.

O centro histórico da lindinha Passau, o ponto de partida, na Baviera (sul da Alemanha) (Adriana Setti/Arquivo pessoal)
A linda e gélida Passau, a 5 graus negativos, antes de começar a nevar (passei frio mas foi lindo) (Adriana Setti/Arquivo pessoal)

Teoricamente, o começo da primavera é uma época boa para viajar pelo Danúbio. No entanto, uma micareta de frente polar acrescentou grandes quantidades de neve ao cenário. Se por um lado isso dificultou um pouco os passeios em terra, fez com que desse um valor inestimável ao piso de mármore aquecido do banheiro e à combinação vinho quente + manta que aparecia magicamente cada vez que ensaiava ver a paisagem das áreas externas do navio. Mas, para não ter erro mesmo, o ideal é fazer essa viagem em junho ou setembro, quando os vinhedos do Vale de Wachau estão frondosos e as temperaturas são amenas (cheguei a pegar cinco graus negativos!).

O possante atracado em frente aos museus mais interessantes de Linz, polo cultural da Áustria (Adriana Setti/Arquivo pessoal)
Paisagem congelada da fazenda produtora de cidra Koglerhöf, um dos passeios mais surpreendentes do roteiro (Adriana Setti/Arquivo pessoal)
A vinícola mais antiga da Áustria (Nikolaihof/Divulgação)

O SS Maria Theresa cumpre este itinerário de março a novembro. A Queensberry vende pacotes da Uniworld no Brasil. O preço inclui todas as refeições a bordo (além de lanchinhos no mini café vienense do navio), bebidas alcoólicas ilimitadas (de ótimo nível) e seis dias de passeios guiados a serem escolhidos de um menu bem interessante.

Foi bonito: o tempo abriu justo quando chegamos a Dürnstein, a joia da coroa do Vale de Wachau, região produtora de vinhos da Ásustria (Adriana Setti/Arquivo pessoal)
Palacete flutuante aconrado em Dürnstein (Adriana Setti/Arquivo pessoal)
Vinhedos aos pés de Dürnstein (Adriana Setti/Arquivo pessoal)
Milk, outra gracinha da Áustria, coroada por um monastério impressionante (Pixabay/Reprodução)
Centrinho de Milk (Adriana Setti/Arquivo pessoal)
Caminho congelado de Milk até o píer (furou o esquema da bike) (Adriana Setti/Arquivo pessoal)

 

Passeios em terra

É louvável o esforço que a Uniworld faz para sair do lugar-comum dos city tours de ônibus – opção que, no entanto, também está disponível. Entre os passeios mais alternativos do roteiro, escolhi o Geocaching (clique no link se você não é millennial) em Passau; visita à incrível fazenda produtora de cidra Köglerhof em Linz; degustação de vinho na vinícola mais antiga da Áustria, a Nikolaihof, e um mix de experiências “locais” em Budapeste que estava sendo testado pela empresa (que teve música cigana em uma taverna underground e conversa com um artista plástico). Todos valeram a pena. Lamentei muito não ter podido curtir uma das atividades mais bacanas do roteiro: deixar o barco de lado por algumas horas e percorrer trechos pela ciclovia que acompanha o Danúbio. O pedal teve que ser cancelado porque a pista estava congelada. 🙁

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Não curte passeio em grupo? Essa viagem também é para você. Uma das grandes vantagens de um cruzeiro fluvial é que, minutos depois do atraque, já é possível desembarcar sem nenhuma burocracia – e sempre há bikes disponíveis e alguém disposto a dar dicas. Depois, basta voltar ao barco 15 minutos antes da partida. Em Budapeste, Bratislava, Linz e cidadezinhas pequenas, o SS Maria Theresa atracou em pleno centro histórico. Isso permite que você dê uma volta na cidade, volte para almoçar ou tomar um café, saia de novo… A única exceção foi Viena. Mas, ainda assim, o metrô estava a poucos quarteirões do píer.

O barco em Viena, um pouquinho afastado do centro (já que o Danúbio não passa por lá), mas pertinho do metrô (Adriana Setti/Arquivo pessoal)
Dia de sol espetacular em Viena (e temperaturas positivas!) (Adriana Setti/Arquivo pessoal)
Viena, sua linda! (Adriana Setti/Arquivo pessoal)
Palácio Belvedere, em Viena (Adriana Setti/Arquivo pessoal)

Desencanar de sair do barco também é uma atitude legítima. Não há grandes opções de entretenimento dentro do navio além de um cinema fofíssimo e uma micro academia. Mas, navegando por um rio, a paisagem muda constantemente e é uma delícia contemplá-la tranquilamente do terraço, do louge ou da cabine. Não à toa, o momento mais emocionante da viagem foi navegar por Budapeste à noite, vendo o parlamento passar, majestosamente iluminado, de um ângulo que só o Danúbio pode proporcionar.

O fofíssimo cinema do SS Maria Theresa (Adriana Setti/Arquivo pessoal)
Apoteose na última noite: navegando por Budapeste iluminada (Adriana Setti/Arquivo pessoal)
Das coisas mais bonitas que já vi: o parlamento de Budapeste à noite, do Danúbio (Adriana Setti/Arquivo pessoal)

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*Dri Setti viajou a convite da Uniworld.

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