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Encante-se com os trulli e a vida rústica da Puglia, na Itália

No salto da bota, a região italiana da Puglia reúne praias de mar azul, vilarejos encantadores e restaurantes onde se come bem, bastante e barato

Por Adriana Setti
Atualizado em 16 fev 2017, 14h33 - Publicado em 14 fev 2017, 17h24

Só um país que ostenta Roma e Veneza na comissão de frente pode se permitir o luxo de manter a Puglia na moita, como mera coadjuvante.

Uma das partes mais roots do sul da Itália, a região tem mais de 2 mil anos de história, vilarejos forrados de mármore, ruínas greco-romanas, igrejas revestidas de mosaico e cidadezinhas que se debruçam sobre falésias e praias matadoras.

Banhado pelos mares Jônico e Adriático, o salto da bota também preserva coisas da era pré-Pokémon: o tiozinho que toma uma brisa na cadeira armada na calçada, o mercadinho onde a senhora faz contas num pedaço de papel e a cesta de figos que seca na janela, ao lado da calçola da nonna.

As estradas poderiam ser bem melhores. Nem todo o patrimônio histórico está restaurado. Mas, pasme!, existe vida real nas ruelas de Polignano a Mare, Ostuni ou Locorotondo, um alento para quem se cansou de cidadezinhas que se parecem parques temáticos, de onde os moradores foram expulsos pelas lojas de souvenir e cafés “charmosos”.

Rústica e autêntica, essa bella donna sem botox também tem a incrível capacidade de permitir que você se esbalde em comida, vinho e boa vida – a preços tão adoráveis quanto a simpatia pugliese.

Loja de souvenirs dentro de uma casa em estilo trullo. Do lado de fora, à esquerda da porta, uma prateleira com vários objetos e, à direita, uma bicicleta encostada na parede
Fachada estilosa de uma lojinha instalada em um trullo, no centrinho mais turístico de Alberobello (Sir Francis Canker/Getty Images)

Piccola, ma non troppo: a Puglia parece minúscula, mas é enorme

De um lado está o Adriático, com seu inconfundível tom esmeralda. Do outro, o Jônico, com seu poderoso azul-turquesa, que por vezes pende para o cobalto. Entre uma coisa e outra, há uma gigantesca e variada paisagem, cortada por estradinhas que nem sempre combinam com a pressa.

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Espremendo com força, fiz a região caber em uma viagem de uma semana. Mas, para isso, fui obrigada a decepar (com dor no coração) a Península Gargano, ao norte, e escolher apenas duas bases estratégicas para expedições bate e volta.

A primeira delas foi Cisternino, a maior fofura do Valle d’Itria, um mar de oliveiras que recheia a parte central do salto da bota. Branquinha e permeada por pracinhas que entregam vistas lindas dos arredores, tem um magnífico centro histórico forrado de mármore – e sempre perfumado com cheiro de churrasco.

A tradição, ali, é jantar no próprio açougue, ou macelleria. O mais disputado é o Al Vecchio Fornello, onde provei logo de cara a melhor bombette (o suprassumo do bolinho de carne) da viagem. Ali o cliente pode escolher os cortes no balcão e ir devorando salames, azeitonas e pimentões sott’olio, afogados em azeite de oliva, enquanto o carvão se encarrega de dourar o prato principal.

Alta parede branca, com uma porta em que os batentes estão decorados com correntes de alho. Dentro, é possível ver várias meses e cadeiras com clientes consumindo alimentos
A macelleria Al Vecchio Fornello, em Cistertino, onde você vai comer a melhor bombette (bolinho de carne) (Lanzellotto Antonello/AGF)

A culinária da Puglia vai te fazer praticar halterofilismo estomacal

Come-se bem em qualquer biboca – em quantidades quase imorais. A culinária local é simples e direta, sem molhos ou artifícios, a não ser as fartas doses do magnífico azeite de oliva local.

E dá-lhe bombette (que pode ser recheada com coisas gulosas), orecchiette (massa em forma de orelhinha), scamorza (um queijo primo do provolone), taralli (um biscoitinho viciante), caldeirões de frutos do mar, quilômetros de linguiças, tábuas de frios…

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Pouco conhecidos fora da Itália, os vinhos da Puglia são potentes, saborosos, diversificados e… baratos. Há belíssimos tintos (o Primitivo é o mais famoso), rosés e brancos.

Glutona de alto rendimento, tive que me superar no halterofilismo estomacal para lidar com as porções do padrão pugliese. O momento ápice da performance, nesse sentido, foi o jantar na mítica Osteria da Giuseppe, no vilarejo de Ceglie Messapica, a 17 quilômetros de Cisternino.

Depois de uma maratona de antipasti, que julguei ser uma refeição, fiquei chocada quando o senhor Giuseppe, em pessoa, levou à mesa um colossal orecchiette com ragu de carne: era o meu primo piatto!

Na sequência, rastejei sobre uma porção de braciola e terminei a noite nocauteada por doces típicos. O menu, com vinho incluído, custou 22 euros. E nenhuma refeição na viagem passou disso.

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Como se hospedar num trullo, a casa típica em forma de cone

Para os padrões europeus, a Puglia é um sopro de otimismo no quesito preços. Fugindo dos meses de julho e agosto, é possível encontrar acomodação confortável a menos de 50 euros para o casal. E dá pra ser bastante original nesse quesito.

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Um clássico pugliese é se hospedar em uma masseria. Típicas da região, muitas dessas antigas construções fortificadas foram convertidas em hotéis. Mas, quando cheguei a Cisternino, fiz questão de descolar um trullo, o signo de identidade do Valle d’Itria.

Esse tipo de casa em forma de cone é tão antigo que ninguém conhece a sua origem, ainda que indícios apontem para a pré-história. Nem o meu simpaticíssimo anfitrião Giuseppe (cujo trullino encontrei no Airbnb) soube dizer de que ano datava o dele, encontrado em ruínas no enorme terreno do tio, pontilhado de oliveiras e árvores frutíferas – comer romã do pé foi um bônus.

Usados como armazéns rurais e moradia, os trulli (plural de trullo em italiano) são erguidos com pedra calcária. Antigamente, eram construídos sem cimento: apenas paciência e habilidade de encaixar as pecinhas. É uma espécie de Lego primitivo, digamos.

Segundo consta, os habitantes da região também eram capazes de desmontá-los em poucos minutos, removendo algumas pedras estratégicas para que parecessem montes de entulho aos olhos dos inimigos e dos proprietários das terras, que cobravam impostos sobre construções.

O mais comum é ver esses cones pelo campo. A exceção é o centro histórico de Alberobello, inteiramente feito de trulli, o que faz dessa cidadezinha a grande celebridade local.

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Menos turística, e em outro estilo, Locorotondo é mais uma joia do Valle d’Itria, toda branquinha, com casarões adornados por vasos de flores, pracinhas graciosas e belos mirantes.

Uma rua com uma grande e ricamente decorada porta. Um menino pequeno corre em frente ao lugar
Detalhe de uma rua de Locorotondo, cidade que é uma graça (Maremagnum/Getty Images)
Em primeiro plano, um campo de flores. Ao fundo, vário casarões da cidade de Locorotondo
Vista geral de Locorotondo, cidade que é cheia de pracinhas, mirantes e casarões adornados (Rrrainbow/iStock)

A grande dama da Puglia é Lecce, a cerca de 100 quilômetros de Cisternino, bem no centro da Península Salentina – uma boa pedida para servir de base ao sul. Antiga colônia grega, a cidade ganhou importância durante o Império Romano, e teve o seu auge na Idade Média.

Como quem não quer nada, abriga um anfiteatro romano de 1 a.C. em pleno centro histórico, que só foi descoberto em 1938. Lecce também é famosa pelo seu estilo barroco peculiar, que floresceu no século 17 e tem como expoente máximo o arquiteto e escultor Giuseppe Zimbalo, cujas obras-primas são a catedral e a magnífica Chiesa di San Giovanni Battista.

Não dá pra perder, também, a Igreja de Santa Croce, do século 16, que tem a fachada retocada pelo mestre Zimbalo.

Igreja em estilo barroco iluminada com luzes, no cair da noite em Lecce
A Igreja di San Giovanni Battista é referência do peculiar estilo barroco de Lecce – e atração indispensável (Andrea Calandra)

Um trullo pra chamar de seu

Ficar hospedado em um trullo é uma das coisas mais bacanas para fazer na Puglia. Alguns modelos são modernos e agregados a construções novas. Outros podem ser rústicos e autênticos.

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Com paredes espessas e janelas, a casinha é uma espécie de caixinha térmica: no calor, é mais fresco que o exterior. No inverno, mais quentinho. Ainda assim, no auge do verão, você fará um ótimo negócio se alugar um com ar-condicionado.

Empresas como a Trulli Italy e a Rent a Trulli são especialistas no assunto. Também há muitas opções no Airbnb.

Casa em estilo trullo, com um quintal na frente, no qual duas árvores suportam uma rede
Trullo rústico, símbolo da tranquila vida cotidiana na Puglia (Adriana Setti)

As cidades lindas e praieiras da Puglia

Sicília e Sardenha à parte, nenhuma outra região da Itália possui praias tão belas e variadas quanto a Puglia. Algumas têm areia fina e água azul-turquesa. E também há falésias, enseadas de pedrinhas e até dunas! Um ou outro beach club, assim como alguns hotéis, possui uma spiaggia particular. Mas há trechos públicos de sobra.

No lado do Adriático, que banha a maior parte da costa da Puglia, a vedete é Polignano a Mare. Seu ângulo mais impressionante é a minipraia de pedrinhas espremida entre enormes paredões rochosos sobre os quais a cidade se debruça – e que acolhem uma das etapas do campeonato Red Bull Cliff Diving.

Nos pontos extremos do vilarejo, há muitos terraços. Alguns públicos e outros secretos, dentro de bares e casas particulares – mas todos revelam umas vistas matadoras do mar cor de esmeralda.

Monopoli, a 10 quilômetros dali, é uma cidadezinha com uma geografia bem parecida, apesar de um pouco menos espetacular.

Casas e um grande e alto muro, cercado de plantas, à beira de uma praia e com vista para o mar
A geografia é generosa na minipraia de pedras em Polignano a Mare, no lado adriático (stocknshares/iStock)
Uma senhora e um senhor descansam de forma descontraída na varada de sua casa, a qual é decorada com vasos de flores
A vida é boa nas varandinhas de Polignano a Mare (Hemis/Alamy)

Continuando 40 quilômetros na direção sul, Ostuni é conhecida como “a cidade branca”, encarapitada sobre uma colina perto do mar. Levemente caótica, ela é um emaranhado de becos, vielas e pracinhas que vão revelando minirrestaurantes, enotecas e lojinhas fofas em becos cheios de vida, com os tradicionais varais pendurados nas janelas.

Coincidi com uma meia maratona, que cortava o centro histórico, e passei pela cidade pulando de batente em batente para não atrapalhar os atletas nas ruas estreitíssimas – ou ser repreendida pelo guarda que passava enlouquecido sobre uma Vespa do século passado, espantando os desatentos no berro.

Seguindo adiante pela rota adriática, Otranto é dominada por uma enorme fortaleza do século 15, à beira-mar.

É lindíssima, foi uma cidade importante do Império Bizantino, passou ao domínio normando, em 1070, e sofreu atrocidades com a invasão turca no século 15 – seu Duomo, cuja origem remonta ao século 11, guarda os ossos dos mártires e tem um piso de mosaico escandalosamente belo, do século 12.

Pequenos barquinhos ancorados em um pequeno porto. Ao fundo, a fortaleza à beira-mar
Em Otranto, há uma linda fortaleza à beira-mar (Poike/iStock)

Vilarejo de Campomarino pode ser base para visitar as praias

Na Costa Jônica, a cidadezinha mais charmosa é Gallipoli, toda rodeada e protegida do mar por uma poderosa muralha medieval – e com uma enseada bem respeitável que segue o padrão local das águas cristalinas.

A grande sensação desse pedacinho da Península de Salento, no entanto, são as praias de areia.

Alguns bons achados estão ao sul de Gallipoli, no Parco Naturale Regionale Isola di Sant’Andrea. Mas nada bate a fenomenal Punta Prosciutto, 40 quilômetros ao norte. É uma faixa de areia branquíssima, que parece ter sido importada direto do Caribe, com um mar raso, calminho, azul-turquesa.

Foi lá pertinho, no pacato vilarejo de Campomarino, onde as praias são protegidas por dunas baixas, que montei a minha base para explorar essa costa do Mar Jônico.

Praticamente não havia turistas estrangeiros veraneando na cidadezinha. Algumas famílias italianas com quatro gerações presentes lotavam o único restaurante local, o Piccole Ore.

Depois de alguns dias devorando o melhor strozzapreti de frutos do mar da minha vida (é uma massa em forma de bastõezinhos ligeiramente retorcidos), a despedida teve direito a uma garrafa de Primitivo de presente e abraços efusivos no staff.

Resista se puder.

Um beco com altas paredes de tijolos, as quais formam uma seção da muralha de Gallipoli
Em Gallipoli, na Costa Jônica, a cidade é protegida do mar por uma muralha (lucafabbian/iStock)

A melhor maneira de explorar a Puglia é de carro

Vilarejos esparsos, praias, parques nacionais e um mar de oliveiras entre uma coisa e outra: a Puglia é um destino que pede um carro para ser explorado.

Para isso, vale tomar alguns cuidados extras, como não deixar nada de valor dentro do veículo ao estacioná-lo (nem o GPS).

Também é importante ler as letras miúdas do seguro contratado na hora do aluguel, já que alguns são isentos de franquia em todo o país, menos na Puglia e na Calábria, onde os roubos são mais frequentes.

Carro conversível, visto de traseira, percorre um via com altas árvores
Um carro é a melhor opção para explorar os cantos da Puglia (Reprodução)

Texto publicado na edição 255 da revista Viagem e Turismo (janeiro/2017)

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