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Segredo do Oriente

Sri Lanka: praias de sonho, templos budistas, montanhas cobertas de chá, santuários de elefante. Com o fim da guerra civil, a paz voltou a reinar

Por Rachel Verano
Atualizado em 16 dez 2016, 09h11 - Publicado em 16 set 2011, 17h16

Eram 5 da tarde na Baía de Koggala, e eles eram seis, perfeitamente equilibrados em suas estacas fincadas nos corais, malabaristas com suas varas finas e as camisas enroladas na cabeça para não molhar com as ondas fortes. O mar nem estava para peixe, mas as sacolas a tiracolo aos poucos iam se enchendo de sardinhas brilhantes. Um peixe, 3 rúpias (ou R$ 0,50). Em dias bons, quatro horas no começo e no fim do dia garantem umas 500, 600 unidades – e um salário mais digno no bolso para a realidade local. Nimal Rathna observa tudo da areia. Tem 39 anos, uma filha de 14 e outra de 11. Seu pai perdeu uma perna no tsunami de 2004, que varreu toda a costa do Sri Lanka. Ele não tira o olho do mar, das varas, dos peixes. De repente, saca do bolso a carteira profissional. “Eu também sei pescar assim!”, diz o pescador, meio inquieto, cheio de ciúme dos protagonistas daquele fim de tarde. E aponta as suas duas estacas vazias, como uma prova de que costuma exercitar, diariamente, o dom da paciência com o embalo do mar.

Os pescadores da costa sul do antigo Ceilão pescam equilibrados em pernas de pau bem perto da arrebentação. As estacas, assim como a perseverança, são passadas de pai para filho há centenas de anos. Um espetáculo que acontece quase todos os dias ao nascer e ao pôr do sol, e que é uma das marcas registradas dessa terra em forma de gota que escorre ao sul da Índia. “A mais bela ilha grande do mundo”, segundo o poeta chileno Pablo Neruda, diplomata por aquelas bandas nos idos dos anos 1930 (foi lá que ele escreveu os poemas de Residência na Terra). Por grande entende-se 65,6 mil quilômetros quadrados, o equivalente a pouco mais de dois terços do estado de Santa Catarina. Ainda assim, grande – trata-se da 25ª maior ilha do mundo, em uma lista encabeçada por gigantes como Groenlândia, Nova Guiné e Bornéu. Ali, cercados pelas águas ora verdes, ora azuis do Oceano Índico, vivem cerca de 21 milhões de pessoas entre montanhas cobertas de folhas de chá, alguns dos mais antigos templos budistas do planeta, santuários de elefante e um litoral de quase 1,5 mil quilômetros de extensão recheado de praias de sonho.

É tudo isso que o mundo começa a descobrir agora. Depois de amargar uma arrastada guerra civil por 26 anos, protagonizada pela guerrilha separatista Tamil Tigers, a paz voltou a reinar quando o governo anunciou o rendimento dos rebeldes e o consequente cessar-fogo em maio de 2009.

Logo em seguida, em janeiro de 2010, o país era o número 1 em uma lista com os 31 lugares para se visitar no ano preparada pelo New York Times, com as grandes promessas do turismo para o futuro próximo, ao lado de nomes como Seul, a nova meca do design, na Coreia do Sul; os vinhedos da Patagônia; e Damasco, a capital da Síria. Mas o maior sinal verde foi dado há quase um ano com a suspensão do alerta de viagens emitido pelo governo dos Estados Unidos para as nações que representam algum risco à segurança dos turistas. Era o que faltava. O Sri Lanka é a bola da vez no continente asiático – e um dos poucos destinos na região que ainda podem se gabar de ser um belo segredo.

Era madrugada cerrada quando desembarcamos no aeroporto de Colombo, a capital que pulula com seus 2,5 milhões de habitantes e arranha-céus, principal porta de entrada no país. Pouco mais de duas horas de carro nos separavam de nosso primeiro destino, as tais praias da costa sul. Chegamos com os primeiros raios de sol, e aquele sem-fim de areias fininhas emolduradas em coqueiros entregava de bandeja os motivos pelos quais a rede de hotéis de luxo Aman escolheu essas paragens para abrir não um, mas dois resorts nos últimos anos. Ou as razões que levaram o alemão Hans Hoefer, o fundador da editora de guias de viagem Insight Guides, a escolher esse canto do mundo depois de viajar por todos os outros para fincar duas villas de sonho – uma delas com sete quartos de hóspedes e uma piscina com infinite view escancarada para o mar.

É ali, entre as praias de Unawatuna e Koggala, que o fundo forrado de corais obriga os moradores a pescar com as pernas de pau. E onde o mar desenha baías ora pontilhadas de barquinhos coloridos, como na sonífera vila de pescadores de Weligama, ora com ondas perfeitas para o surfe, caso de Midigama. Em Dalawella, a maré baixa forma uma enorme piscina natural. E, em Mirissa, tem até barraquinhas com espreguiçadeiras para os turistas, ainda raros. Não é exagero dizer que o litoral sul do Sri Lanka lembra o do Nordeste brasileiro. Até a bebida oficial por ali é a mesma: água de coco. Mas basta olhar para trás e ver que o transporte mais comum continua sendo o tuk tuk e a roupa oficial dos homens, uma longa saia que lembra uma canga, para voltar à realidade onde o ar tem um adocicado cheiro de curry.

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A maior cidade do sul do país é Galle, na qual os ares europeus revelam a herança da colonização holandesa, que se estendeu de 1658 a 1796. Com suas ruelas calçadas e sob a sombra de árvores frondosas, Galle é um charme dentro dos limites das imponentes muralhas erguidas pelos forasteiros no século 17, onde não faltam lojinhas de decoração e cafés que servem boas tortas e brownies. São dessa mesma época a fachada caiada da Dutch Reformed Church, um dos postais da cidadela, na Church Street, e o belo casarão de estilo colonial construído do outro lado da rua, mais precisamente em 1684 – ainda que as diárias de três dígitos (e em dólares) não caibam no bolso, vale a pena cacifar um lugar na aristocrática varanda de ladrilhos do que é hoje o resort Amangalla, e ver a tarde passar sem pressa por trás de uma xícara de chá. No fim do dia, todos os caminhos levam ao topo das muralhas, por onde os locais passeiam preguiçosamente embalados pela brisa do mar. A vista das praias, dos transatlânticos e das estupas budistas fica mais especial quando o sol se põe na água.

A linha de ferro construída pelos ingleses (os últimos colonizadores, dos quais o país só ficou independente em 1948) segue dali margeando a costa oeste até tomar o rumo das montanhas do centro do país, em que as altitudes batem nos 2 500 metros e o vento sopra mais frio. Ali o clima úmido, o terreno acidentado, a cultura inglesa e uma praga que dizimou as plantações de café no século 19 fizeram surgir uma das maiores preciosidades nacionais: o chá. Toda a região nos arredores das cidadezinhas de Nuwara Eliya e Ella está coberta por arbustos de Camellia sinensis, cujas folhas são colhidas manualmente até hoje por mulheres tâmeis de origem indiana, verdadeiras formiguinhas coloridas espalhadas pelas montanhas. Todos os dias, cada uma delas colhe cerca de 15 quilos das folhas que vão dar origem, nas 24 horas seguintes, a um dos melhores e mais finos chás do mundo.

Ficam também na região central do Sri Lanka alguns dos mais impressionantes templos budistas do mundo – o budismo é a religião oficial no país desde o século 3 a.C., e é adotado por mais de 70% da população. Às margens do lago da cidade de Kandy, o Sri Dalada Maligawa guarda aquela que seria a relíquia do dente sagrado de Buda (acredita-se que ele foi retirado da pira funerária do mestre em 543 a.C. e chegou ao Sri Lanka no século 4 d.C.). Trata-se de um dos pontos de peregrinação budista mais venerados no mundo. Cerca de 80 quilômetros ao norte, a pequena Dambulla guarda cinco cavernas (uma delas com mais de 150 metros de largura) no alto de uma rocha recheadas de mais de 150 imagens antigas de Buda e impressionantes pinturas nas paredes. Conhecido como Rock Temple, o lugar é visitado por peregrinos desde o século 1 a.C. Menos de uma hora de viagem leva dali à impressionante formação rochosa de Sigiriya, de 200 metros de altura. Declarada Patrimônio da Humanidade pela Unesco em 1982, seu topo teria sido um palacete real ou mosteiro budista abandonado no século 14, e subir até lá revela belas surpresas, como as enormes patas de leão, esculpidas na pedra para margear as escadarias finais, e os afrescos budistas do século 5 no meio do caminho.

Ao longo de sua história, o Sri Lanka teve diferentes capitais, e duas delas são hoje belos complexos arqueológicos. Já em 380 a.C., Anuradhapura era recheada de palácios e templos de onde governavam os reis. A partir do século 10, a capital real mudou-se para Polonnaruwa e estão lá as ruínas mais bem preservadas do país daquela época – são templos, banhos, palacetes e expressivas imagens de Buda. Quatro delas, esculpidas delicadamente em peças únicas de granito, formam o conjunto de Gal Vihara, hoje um dos maiores postais do país. Apenas o Buda deitado tem 14 metros de comprimento e adquire tons dourados no fim de tarde. Depois de nos apresentar ao grande tesouro do dia, Fawmi, nosso motorista nascido muçulmano e convertido budista por opção, deu uma última passadinha pelo centro da cidade, antes de pegar novamente a estrada. Ele queria tentar ver pela última vez a atendente de um cibercafé de apenas 20 anos para quem tinha dado seu número de celular algumas horas antes. Em um país onde os casamentos não são mais arranjados pelas famílias, como na vizinha Índia, meninos e meninas já podem se apaixonar e escolher seus maridos e suas mulheres. “Estou muito ansioso para ver se ela vai ligar”, confidenciou ele, cheio de inocência. No Sri Lanka ainda é assim.

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