Continua após publicidade

Fernando de Noronha: presente mais que perfeito

Alguns dias no arquipélago mais lindo do país e o delicioso trabalho de descobrir os seus segredos

Por Gabriela Aguerre
Atualizado em 23 jul 2021, 20h43 - Publicado em 1 nov 2011, 20h24

Eu me sentia uma tartaruga albina gigante, flutuando a 400 metros da costa, e só não estava à deriva porque Jonne, o guia, me puxava por uma cordinha amarrada à bóia que eu segurava com as mãos. Não havia espaço ali para vaidades. De bunda pra cima, sem protetor solar suficiente (mas isso eu só descobriria depois) e respirando pelo snorkel, eu observava através da máscara, de camarote, a vida subaquática do Sueste.

Na posição mais engraçada do mundo, via passarem debaixo de mim cardumes de sargentinhos, de xiras, de peixes-cirurgiões, dos amarelos, dos azuis, que sempre vou associar à Dory, a peixinha desmemoriada de Procurando Nemo. Escondiam-se lagostas, escapavam arraias, ignoravam-nos tartarugas, imensas criaturas que parecem reinar no mundo submarino das histórias imaginadas por Narizinho. Uma delas, da espécie das tartarugas-verdes, me ergueu solenemente ao subir à tona para respirar. Num movimento leve, quase como uma astronauta, deslizei em seu casco de mais de 1 metro de comprimento. Olá, dona tartaruga. Mais emoção eu sentiria ao descobrir por que dezenas de peixinhos passavam em fenética velocidade, ziguezagueando ritmadamente: atrás deles vinha um tubarão-limão, que não é daqueles de Spielberg mas assusta – a eles, os peixinhos, e a mim, que observava a caça a menos de dois palmos de distância.

Complicada e perfeitinha

Mergulhar de snorkel na Praia do Sueste é uma das coisas que você pode fazer em Fernando de Noronha. Eu fiz várias e deixei de fazer outras, numa viagem maravilhosa que começou muito antes de aterrissar no pequeno aeroporto, a 545 quilômetros de Recife, ou um quinto do caminho entre o Brasil e a África. Essa viagem, como tantas, começou na leitura. Li de tudo, procurando imaginar como seria estar dentro daqueles cartões-postais tão familiares. De tanto ver a Baía do Sancho, sentia conhecê-la. Pôr do sol na Praia da Conceição? Já sei como é. Morro Dois Irmãos? Conheço, de todos os ângulos. Ir para lá seria apenas uma forma de teletransporte ao paraíso. Certo? Certo. E errado.

Noronha pode desapontar à primeira vista. Na Vila dos Remédios, o centrinho, falta um certo charme, apesar da presença da igreja do século 18 e de algumas outras construções históricas preservadas. Os demais bairros são bastante precários, com ruas esburacadas, casas descuidadas, terrenos baldios. Se chove, lama na certa. A BR-363, a única grande via asfaltada, tem apenas 7 quilômetros, que fazem dela a mais curta rodovia federal do país, e que cobrem muito pouco da ilha. O acesso às praias é outro ponto fraco. Eu não tinha consciência de quanto as coisas estão longe e de como é difícil chegar até elas. Ou de que sem bugue ou moto você não chega a lugar algum, já que táxis são proibitivos e ônibus, escassos. Também não entendia o encanto das pousadas que, num dos lugares mais bonitos do mundo, não têm vista para os lugares mais bonitos do mundo. Enfim.

Os defeitos de Noronha parecem aparecer primeiro. Mas, como diz minha amiga Rachel Verano, a ilha tem segredos, e o grande prazer é descobri-los – mesmo que isso leve um tempo (esta última parte quem diz sou eu). Talvez sejam estas as razões de ser tão bom: requer esforço, demora, é caro. A beleza vem como uma recompensa gloriosa.

Continua após a publicidade

Forró e calipso

Nada é mais gostoso do que reconhecer o território assim que se chega, quando as expectativas ainda estão em estado bruto. No nosso caso, já era fim de tarde. Mas combinamos: o primeiro destino do dia seguinte seria a primeira praia a que conseguíssemos ir a pé. Praia da Conceição, o seu nome.

O caminho sai por trás da Pousada Zé Maria, onde estávamos hospedados. A trilha, de uns 20 minutos, dá um pouco de trabalho, especialmente na volta, com duas subidas bem íngremes, em curvas traiçoeiras. Você só consegue enxergar o mar quando está bem perto dele. Escondida, a Praia da Conceição foi nosso primeiro segredo descoberto, muito embora não estivéssemos sozinhos. Nem isso nem a chuva fina impediram fazermos nosso début ao mar e, depois, sairmos para caminhadas. De volta ao começo, uma caipirosca no Duda Rei faz valer cada um dos R$ 14, o Morro do Pico à esquerda, e um chuveiro simpático dentro de uma banheira para que os clientes do mais famoso bar de praia possam tirar a areia e o sal do corpo, enquanto músicos preparavam o palco para o forró pé de serra.

Era a mais próxima, mas não por isso minha preferida. Meu coração bateu mais forte quando entrei na Praia da Cacimba do Padre. Como acontece nas grandes paixões, não sei explicar a razão. Mas havia algo na entrada plana e aberta, na visão horizontal de uma praia vazia, de areia branca e água transparente, que faria a mais pudica das criaturas ter vontade de tirar toda a roupa e correr em direção ao mar.

Ao chegar, o Morro Dois Irmãos parece um monobloco. À medida que você se aproxima, vê que são dois morros e desconstrói o cartão-postal. Estava feliz por ter encontrado minha praia na ilha. Ainda voltaria, de bugue, guarda-sol e esteirinha, na última manhã.

Não importa para qual dos lados se ande, há praias lindas. Para a esquerda, você encontrará o começo da trilha da Baía dos Porcos, muito requisitada. Para a direita, delimitadas por falésias, praias planas e sossegadas, como a dos Americanos. Fomos até ali levados por uma canção: uma versão calipso para Alejandro, de Lady Gaga, era a trilha sonora que animava o jogo de bola do fim da tarde sobre a areia fina misturada a relvas. Surreal.

Continua após a publicidade

Folhinhas de seriguela

Há de se reconhecer o esforço feito por todas as pousadas em atender às cada vez mais exigentes demandas do turista que desembarca por lá. Não é fácil encher uma mesa de café da manhã de frutas, pães, queijos e doces em uma ilha oceânica sem nenhuma produção local (afora algumas pequenas hortas). Os produtos chegam em remessas semanais e são muitas vezes disputados a tapa no desembarque das encomendas no Porto Santo Antônio. As pousadas top têm chefs, ingredientes e cardápios de primeira, e a gente nem percebe o trabalho que há por trás de cada prato, de cada entrada, de cada iguaria.

No Zé Maria, esse trabalho ganha dimensões descomunais no festival gastronômico a que concorrem visitantes de toda a ilha, às quartas e aos sábados. São quantidades de comida dignas de uma festa de Babette. O menu daquele sábado: uma paella monumental, servida em uma travessa de quase 1 metro de diâmetro. Na mesma mesa, quatro tipos de cozido de peixe, ceviches lindos de atum, mais de mil peças de sushi e sashimi, quatro tipos de arroz, outros quatro de farofa, carnes com molhos variados. Ainda jaziam, sobre folhas de bananeira, dois peixes gigantes, que o próprio Zé Maria, dono da pousada e benfeitor local, alardeava ter pescado ele mesmo naquela tarde. Apresentada pelo Tuca, filho do Zé e talento idêntico para a hotelaria, a mesa de doces não ficava atrás: pudins, tortas, mousses, brownies, licores, chás, café e ufa.

Cada pousada tem seu toque especial, e experimentar a cozinha de cada uma delas é uma viagem dentro da viagem. Na Beijupirá, o jantar é servido no quintal, com delicadezas como um guarda-chuva pendurado no pé de seriguela para evitar que folhinhas caíssem no prato. Mas pode ser também um almoço na Maravilha (sim, de dia, para comer com os olhos a vista incrível da Praia do Sueste), na Teju-Açu (você vai dar sorte se for atendido pelo Fernando, que aos 20 anos já tinha viajado mais que repórter da VT), ou na Solar dos Ventos, vizinha da Maravilha e, portanto, com a mesma vista – e uma caipirinha de pitanga sensacional, preparada pelo simpático Alexsandro, que num mesmo dia foi visto como garçom, como tocador de pandeiro no Duda Rei e de zabumba no Bar do Cachorro.

A refeição pode também ganhar ares mais ligeiros, como nas porções de queijo coalho com mel ou de ceviche no Mergulhão, novidade na ilha à margem da BR, com vista para o porto, ou mais prosaicos, caso do PF no Dona Edilma, na Vila dos Remédios, ou da coxinha de tuba servida no Museu do Tubarão, o melhor lugar da ilha para tomar uma cervejinha. A poucos metros dali, passando a Igreja de São Pedro, você pode ver tubarões ao vivo. Eles costumam se recolher ali na maré cheia.

O sol, a lua e só

A Baía do Sancho é a melhor praia do Brasil, segundo os leitores da VT e certamente dos 30 passageiros do Trovão dos Mares II, embarcação que leva turistas a um passeio de manhã inteira, do porto à Ponta da Sapata. É nela que o Trovão ancora, para o deleite de todos, se é possível se surpreender com mais alguma coisa depois de ter visto dezenas de golfinhos disputando corrida com o barco. Sim, é. Ao chegar ao Sancho, você entende muitas coisas. De beleza, sobretudo.

Continua após a publicidade

Chegar até essa praia por terra, no entanto, não é assim tão tranquilo e gostoso. Confesso que amarelei diante da fenda na rocha onde se escondem mais de 30 degraus de ferro – prova dura a que são submetidos aqueles que ousam querer pisar no paraíso. Já tinha vivido uma pequena frustração naquela manhã (tentei mergulhar pela primeira vez e, mesmo com todos os esforços do instrutor, não consegui descomprimir a pressão nos ouvidos em nenhuma das três tentativas, e voltei ao convés, sob chuva fina e o maior chororô) e preferia algo mais suave, como simplesmente ficar olhando.

Ou como você explicaria o prazer em ver o pôr do sol? Em Noronha, é uma atividade concorrida e intensa, com hora marcada, aclamada por multidões. No Mirante do Boldró, na Praia da Conceição, na Cacimba do Padre ou em qualquer outra praia do mar de dentro, voltado para o continente. Cada um terá o seu preferido. O meu é fácil. Foi depois de um dia perfeito. Na companhia perfeita. O sol desapareceu e a Lua surgiu, num pas de deux desencontrado e, justamente por isso, muito lindo. Estava tudo bem. Não havia mais segredos a descobrir. Pelo menos parecia.

Um dia perfeito

6h30 Acordar a essa hora parece possível depois de uma boa noite de sono. (Dizem os locais que Noronha tem propriedades soníferas interessantes!) Saídas para trilhas, mergulho ou passeios de barco costumam ser às 8h.

10h Se a noite tiver sido de forró no Bar do Cachorro, acorde tarde sem culpa. O dia pode ser todo seu, ainda mais se estiver de bugue ou moto. Tome café com calma e escolha a sua praia para um mergulho. Na Praia do Leão, o risco de estar só é imenso. Não fique apenas no mirante. Desça, descubra.

13h Almoce na Pousada Maravilha ou na Solar dos Ventos. A vista para a Praia do Sueste é tão ou mais gostosa que os pratos.

Continua após a publicidade

15h Preguice. Você tem esse direito.

16h Caminhar pela Vila dos Remédios pode ser gostoso, especialmente se você tiver vontade de uma tapioca.

17h Hora de começar a se preocupar com onde assistir ao pôr do sol. Pode ser no Mirante do Boldró, apinhado de gente, se você quiser estar cercado de gente. Ou num cantinho qualquer da Praia da Conceição, moldura perfeita para o fim do dia.

19h Horário perfeito para uma celebração especial. Promova seu próprio réveillon fora de época. Pule sete ondas. Se despeça do último dia e celebre a chegada do primeiro. Algo mais educativo? As interessantes palestras do Ibama.

20h Jantar cedo, na Beijupirá; fartar-se no festival do Zé Maria. Tudo vale, mas não se perca pela noite, porque o amanhã promete.

Continua após a publicidade

Ficar

Campeã pela oitava vez no Prêmio VT, a Pousada Zé Maria (Rua Nice Cordeiro, 1,3619-1258, www.pousadazemaria.com.br; diárias desde R$ 638; Cc: A, M, V; Cd: todos) é a cara de seu simpático proprietário, que estampa de guardanapos a caixinhas de fósforos. A Pousada Maravilha (BR-363,3619-0028, www.pousadamaravilha.com.br; diárias desde R$ 1 815; Cc: A, D, M, V; Cd: todos) é a que tem melhor vista. Vizinha a ela e mais acessível, a Pousada Solar dos Ventos (BR-363,361x-1347, www.pousadasolardosventos.com.br; diárias desde R$ 844; Cc: A, D, M, V; Cd: todos), tem oito chalés de frente para o mar. A Triboju (Rua Amaro Preto, 133, 3619-1370, www.triboju.com.br; diárias desde R$ 1 100; Cc: A, D, M, V; Cd:todos) ainda é novidade. Os bangalôs têm hidro e varandas com redes. Entre as pousadas familiares, que nem sempre são em casas de moradores, a Raio de Sol (Alameda das Acácias, casa 4, 3619-1613, www.pousadaraiodesolfn.com.br; diárias desde R$ 260) tem ambientes bem equipados.

Comer

Na Pousada Zé Maria é servido um banquete nas noites de quarta e sábado. Por R$ 120 (bebidas à parte), pode-se provar 41 pratos diferentes. O restaurante da Beijupirá Lodge Noronha (Rua Amaro Preto, 470, 3619-1250, www.beijupiralodgenoronha.com.br; Cc: A, M,D, V; Cd: todos) abre ao público no jantar e serve o delicioso “beijucanela”: filé de peixe com canela, banana e cardamomo. Na Eco-Pousada Teju-Açu (Estrada da Alamoa, 3619-1277, www.pousadateju.com.br; Cc: A, D, M, V; Cd: todos), o carro-chefe é o dourado com camarões salteados. Fora das pousadas, o Mergulhão (Avenida Joaquim Ferreira Gomes, 40, 3619-0215, www.mergulhaonoronha.com.br; Cc: A, M, D, V; Cd: todos) é ótimo para uma happy hour, à hora que for.

Passear

Uma das trilhas mais bonitas, que só pode ser feita com acompanhamento de guia, é a do Atalaia, em versões de 2 km ou 5 km. As saídas custam R$ 50 e R$ 70 e ocorrem a partir das 8h, em grupos de até 25 pessoas por vez. O Ibama pode cancelar sem aviso. Para barcos, experimente o da Marlene (Locadora Moraes, 3619-1228; Cc: M, V), que vai do porto à Ponta da Sapata. O pacote completo, com parada para mergulho na Baía do Sancho e almoço, inclui 30 minutos de passeio em prancha submarina. Custa R$ 150. Se gostou, tente o mergulho. As três agências da ilha (Noronha Divers, Atlantis e Águas Claras) têm batismo, de R$ 260 a R$ 305, ou pacotes de saídas para credenciados. Para se familiarizar com atrações e distâncias, uma boa é fazer o Ilhatur, passeio pela ilha inteira, a pé e em veículos 4×4. Dura em média oito horas. A Atalaia Noronha (3619-1328) e a Blue Marlin (3619-0039) levam por R$ 100. Para ter mais independência, alugue um bugue ou uma moto. A oferta começa no aeroporto, desde R$ 80 o dia.

Como chegar

Via Recife, com a Gol (0300-1152121, www.voegol.com.br), desde R$ 2 670, e a Trip (3003-8747 e 0300-7898747, www.voetrip.com.br), desde R$ 1 440. É obrigatório o pagamento da taxa de preservação ambiental, que pode ser feito pelo site www.noronha.pe.gov.br ou no aeroporto de lá. O valor é progressivo: quem fica um dia paga R$ 40,40; quatro, R$ 161,60; e oito, R$ 276,74.

Quem leva

Pela Ambiental (11/3818-4600, www.ambiental.tur.br), sete noites com passeio de barco e caminhadas incluídos custam desde R$ 3 426. A hospedagem é na Pousada Estrela do Mar. O pacote da Freeway (11/5088-0999, www.freeway.tur.br) dura também sete noites com trilha e passeio de barco pela Baía dos Golfinhos e a Praia do Sancho, por R$ 2 872, em pousada domiciliar. O roteiro da Pisa Trekking (11/5052-4085, www.pisa.tur.br) tem trilhas e mergulhos programados para os oito dias, e custa desde R$ 5 020. De luxo, a Selections (11/2196-9392, www.selections.com.br) tem cinco noites na Pousada Maravilha com traslados privativos desde R$ 7 192.

Leia mais:

Novembro de 2011 – Edição 193

 

Lost em Noronha

 

As Mais Belas Ilhas do Brasil

 

5 melhores… Mirantes

 

Publicidade