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A Estrada de Ferro Vitória a Minas tinha 13 horas de beleza pura

Os personagens e os pães de queijo da viagem a bordo do único trem de passageiros do Brasil - cuja paisagem foi afetada pelo desastre ambiental da Samarco*

Por Gaía Passarelli
Atualizado em 9 set 2021, 14h55 - Publicado em 9 ago 2016, 14h49

“É legal se você tem tempo livre e curte umas paisagens”, disse meu amigo capixaba quando contei que iria a Vitória para visitá-lo de trem. De fato, eu tinha tempo livre e amo paisagens, mas pra mim é mais que isso.

Trens são práticos, românticos, nostálgicos, ainda que inexistentes, ou quase isso, no Brasil. A Estrada de Ferro Vitória a Minas, que liga Belo Horizonte a Vitória, e vice-versa, é o único comboio diário de passageiros em atividade no país.

As cerca de 3 mil pessoas que embarcam diariamente fazem trechos curtos entre cidades da divisa entre Minas Gerais e Espírito Santo.

Não foi o meu caso. Eu peguei um avião em São Paulo, desci em Belo Horizonte para finalmente embarcar no trem que me fez chegar a Vitória, 13 horas mais tarde.

Foi a viagem sobre trilhos mais longa da minha vida, e pude matar a vontade até dizer chega-logo-pelamordedeus! Antes disso, meu recorde havia sido de nove horas entre Glasgow e Fort William, em um confortável trem escocês.

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O barato da viagem que fiz foi ver a paisagem mudando aos poucos: a mata exuberante ao redor de Belo Horizonte (a rota atravessa a região da Serra do Caraça) dá lugar ao pedregoso Vale do rRo Doce, já perto de Vitória.

O caminho é cortado por cidades pequenas e estações minúsculas como Krenak, que é apenas uma plataforma no meio da mata, onde ninguém subiu ou desceu.

É por ali, a cerca de cinco horas de Vitória, que o leito raso do rio começa a dar lugar a um enorme lago verde, cercando as montanhas do Espírito Santo. É a Barragem de Aimorés, que alcançamos pouco antes do pôr do Sol.

Nas 13 horas a bordo pude ouvir Dona Marilda, sentada atrás da minha poltrona, contar a história da vida a um estranho, fotografei paisagens chuvosas e me entreguei a várias sessões de pães de queijo e café coado, vendidos no trajeto.

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Na hora de esticar as pernas, andava até as extremidades dos vagões e pegava um ar. Minha única preocupação era quando cruzávamos outro trem – a ferrovia transporta minério de ferro, um pó fino que gruda na pele, na câmera, nas roupas, na alma.

A chegada à estação de Pedro Nolasco, na região metropolitana de Vitória, é menos simpática e, segundo os conselhos que recebi, pouco segura. Ainda bem que meu amigo, aquele que falou das paisagens, me esperava.

*Nota da redação:

A Estrada de Ferro Vitória a Minas, mantida pela companhia Vale, margeia o Rio Doce e passa pela região afetada pelo desastre ambiental causado pelo rompimento das barragens da mineradora Samarco, em 5 de novembro de 2015. O trem de passageiros continua funcionando, mas desde o incidente, os trilhos são constantemente fechados em protestos de indígenas, moradores e trabalhadores afetados pela tragédia ambiental – a maior já ocorrida na história do Brasil – e não receberam indenizações pelos danos causados.

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